Na década de 1940, Candido Portinari produziu obras engajadas na denúncia do sofrimento humano fruto das injustiças sociais no Brasil. O artista foi influenciado pelas pinturas de Pablo Picasso (1881-1973) sobre a
guerra, especialmente
Guernica, de 1937, que pôde ver pessoalmente em Nova York. Criança mortafaz parte de uma série realizada em 1944, denominada Retirantes, uma narrativa épica sobre vidas marcadas pela seca e pela miséria na região Nordeste do Brasil, em uma sucessão de acontecimentos trágicos: a migração, a morte e o enterro. Em
Criança mortavê-se uma família aos prantos pelo falecimento de um de seus membros. Ao centro da composição está a mãe, cujo rosto não é revelado pelo pintor, prostrada sobre o cadáver do filho, que pesa em seus braços. Todos os
personagens têm os pés descalços, o corpo muito magro e acinzentado, como esqueletos, e se vestem com retalhos de pano. Destaca-se a pintura das lágrimas, muito volumosas e petrificadas. Ao chão, pedregulhos se
alastram sobre um espaço amplo e árido que se prolonga no horizonte, sob o céu escaldante pintado em um degradê de tons de azul. Portinari se apropria do gênero do retrato em tamanho monumental, historicamente
reservado como privilégio às elites políticas e econômicas, e utilizado aqui para representar a população miserável. Por outro lado, acaba por reduzir esses sujeitos a tipos genéricos e completamente vulneráveis, sem
identidade ou agência, o que contribuiu para criar um certo imaginário sobre os nordestinos, produzido desde uma posição distanciada.
Entre 1944 e 1945, como em um desdobramento da Série Bíblica, Portinari cria um ciclo de cinco telas, que o artista expõe em Paris em 1946, obtendo um fervoroso comentário de Germain Bazin. As telas são assim denominadas:
Criança Morta, Criança Morta, Emigrantes, Retirantese Enterro na Rede. Delas, o Masp possui três, tendo o Musée d’Art Moderne de Paris adquirido uma das versões de Criança Morta. Embora menos audacioso que a Série Bíblica, o ciclo em questão aponta para divergentes soluções formais que vão desde um diálogo estreito com Siqueiros em Enterro na Rede, até soluções mais pessoais como Criança Morta, obra-prima da série, na qual a figura da criança atinge os extremos expressivos de Cosme Tura.