Por Bruno Pinheiro
Em uma entrevista concedida em 1941 ao crítico de arte Carlos Cavalcanti (1909-1973), Heitor dos Prazeres fez o seguinte comentário sobre a obra Sem Título (a volta da roça), do acervo do MASP: “Mas por que agora você está com essa mania de fazer gente fugindo? Que povaréu é esse?”, perguntou Cavalcanti. Prazeres responde: “Não sei bem, não. Gente do morro. Uma ideia que me veio. Não estão derrubando as favelas?”. Naquele mesmo ano de 1941 estava sendo realizada a destruição parcial da praça Onze, no Rio de Janeiro, onde o artista nascera e morava. A região iria integrar a futura avenida Presidente Vargas, que seria inaugurada em 1944, o que levou ao deslocamento forçado de parte dos moradores do bairro. Esse processo não era fato isolado e nem novo. A demolição da praça Onze já estava prevista no plano realizado pelo urbanista francês Alfred Agache (1875-1959) no final da década de 1920 para o Rio de Janeiro — o primeiro plano da cidade a tratar a “favela” enquanto uma tipologia urbana que deveria ser combatida. Apesar de revelar em seu comentário uma relação conflituosa com aquele projeto de cidade, e de ter pintado ao longo de sua trajetória o processo de suburbanização da classe trabalhadora negra do Rio de Janeiro, Heitor dos Prazeres se recusou a mudar-se da praça Onze até fim de sua vida. Região que, ao olharmos em retrospecto, entendemos como central para a formação poética e política do pintor.
— Bruno Pinheiro, 2022