Artista autodidata, Farnese de Andrade mudou-se em 1942 para Belo Horizonte, onde estudou desenho com Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). A partir do início da década de 1960, quando já vivia no Rio de Janeiro, começou a criar obras a partir de materiais descartados, coletados em praias e aterros, como pedaços de madeira. Posteriormente utilizou, entre outros objetos, armários, oratórios e cabeças de bonecos adquiridos em antiquários e depósitos de peças usadas e de demolição. Farnese recorreu a objetos marcados pelo uso e pelo tempo, associando-os fortemente, de forma explícita. Apontou para a ação do tempo sobre eles, percebida nas arestas arredondadas da madeira em suas esculturas. Nessas colagens de objetos tridimensionais (ou assemblages) veem-se, em vários trabalhos, alusões à figura humana — em seus aspectos tementes, tensos, tenebrosos —, como em Terceira visão (1985). Nessa obra, Farnese constrói uma conexão vertebral unindo verticalmente uma cabeça, um objeto ovalar, uma base bem trabalhada e uma haste pintada de dourado bem ao centro, em madeira. O corpo da escultura é desproporcionalmente maior do que o rosto entalhado, em que três olhos miram o espectador. Essa escultura pode fazer referência a um fantasma, ex-voto, fetiche ou outro objeto ritual. Sabe-se que os trabalhos de Farnese estão associados às memórias pessoais do artista. Carregados de erotismo, sensualidade e religiosidade, estão muitas vezes impregnados de uma carga opressiva e violenta. Em diálogo com temas e materialidades do barroco, o artista produz metáforas de castrações, traumas e desejos. As memórias e o inconsciente do artista materializam-se solidificados e enclausurados nestes objetos articulados. O peso e a configuração dessas partes de objetos em madeira arranjados por Farnese parecem falar de um passado pesado, inerte, sólido e difícil de desmembrar.
— Guilherme Giufrida, assistente curatorial, MASP, 2018