MASP

Sala de vídeo: Mark Lewis

18.12.2020-31.1.2021
Mark Lewis é um videoartista canadense que vive em Londres e visita frequentemente São Paulo, onde já realizou alguns trabalhos. Um deles é Museum [Museu] (2018), gravado na pinacoteca de cavaletes de vidro concebida por Lina Bo Bardi para o acervo do MASP, no segundo andar do edifício. A pinacoteca de cavaletes foi inaugurada com o novo edifício na avenida Paulista em 1968, introduzindo uma expografia que permanece radical até hoje; entretanto, ela foi desmantelada em 1996, e reconstruída novamente em dezembro de 2015. Na ocasião em que completamos cinco anos da reconstrução dos cavaletes, o vídeo de Lewis, doado ao museu pelo artista e aqui exposto, nos oferece uma meditação sobre o museu, a arte e suas histórias — no MASP e no mundo. 

Numa tomada longa, lenta, contínua e sem cortes, a câmera passeia pela galeria do segundo andar do MASP e reconhecemos pinturas dos outrora chamados “grandes mestres” (masculinos) da história da arte (europeia): Piero di Cosimo, Jacopo Tintoretto, Hieronymus Bosch, Rafael, Sandro Botticelli, Diego Velázquez, El Greco, Frans Hals, Rembrandt. Lewis submeteu o material a uma manipulação digital extrema, criando um ambiente que tem algo de fantástico e fantasmagórico, onde a arte e a arquitetura, o tempo e a história, a visão e a percepção parecem estar num processo de derretimento e decomposição, fratura e fragmentação, estilhaçamento e cristalização. Alternativamente, tudo poderia ser a visão de um sonho delirante numa noite de torpor, ou poderíamos estar diante da representação de uma visão lisérgica, fruto de estados alterados de consciência, induzidos por substâncias químicas de diferentes ordens. 

Porém seria possível ainda identificar aqui uma certa crítica a esta instituição tão totalizante quanto dominadora, que quer tudo abarcar, classificar, confinar, organizar e preservar, representando uma imagem coerente, hierarquizada e significativa do mundo e de seus objetos mais ilustres: o museu em si. Com seu foco inescapável nas coisas do passado remoto ou recente, com sua missão de preservar os objetos de outros tempos, o museu e seu acervo correm o risco de se distanciar e se desconectar do presente, da vida contemporânea. “A palavra alemã museal tem conotações desagradáveis”, escreveu o filósofo alemão Theodor Adorno. “Ela designa objetos com os quais o observador não tem mais uma relação viva, objetos que definham por si mesmos e são conservados mais por motivos históricos do que por necessidade do presente.” O museu teria então a tendência a sofrer um processo de petrificação, ossificação ou mumificação, algo que o vídeo de Lewis parece sinistramente representar. Estaríamos diante de um “museu em ruínas”, para usar a conhecida expressão do historiador da arte Douglas Crimp, leitor de Adorno? Num momento em que museus em todo o mundo atravessam uma crise de identidade e reavaliam suas missões, acervos e propósitos para encontrar novas maneiras de se engajar com a arte (seja ela antiga ou contemporânea) e seus públicos (sejam eles internos ou externos), a meditação em vídeo de Mark Lewis, cheia de visões estranhas e familiares, assustadoras e sedutoras, é uma provocação incisiva e potente. 

CURADORIA Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP