A cena da tela A Continência de Cipiãorepresenta um episódio legendário da vida do grande artífice da supremacia romana no Mediterrâneo, Públio Cornélio Cipião, chamado Cipião, o Africano, cônsul em 205 e em 194 a.C. e conquistador da Espanha, da África
e da Ásia Menor. Vencedor do até então invicto exército de Aníbal na batalha de Zama (202 a.C.), que decidiu a sorte das guerras contra Cartago, Cipião escolheu, contra a posição senatorial, a África como teatro
fundamental das operações militares, daí seu epíteto. Declaradamente filo-helênico, suscitou com freqüência, pela precocidade de seu gênio militar, por seu prestígio e poder sem equivalente em Roma, mesmo em relação
a Pompeu e César, o paralelo histórico com Alexandre, paralelo de resto habilmente cultuado por ele e que se reflete inclusive em feitos de estóica virtude, como a aqui representada. O episódio foi transmitido nas
fontes por Tito Lívio e sobretudo pelos
Fatos e Ditos Memoráveis de Valério Máximo, compilação de cunho filosófico-moral para uso dos reitores (após 31 d.C.), que obteve grande posteridade: cabia a Cipião, como parte do botim da conquista de Cartago, uma jovem já comprometida, a
quem ele renuncia, devolvendo-a a seu prometido. O tema teve grande fortuna desde o século XV e já aparece em Veneza a partir de encomendas feitas a Mantegna e a Bellini pela família Cornaro, que reivindicava a
descendência da
gensCornelia. Mas, de modo geral, o tema de Cipião vincula-se ao ideário de valores neo-estóicos, que goza de grande favor na história da cultura e na iconografia européias desde a segunda metade do século XVI até o
tardio século XVIII. Zugno, como Tiepolo, freqüentou o tema provavelmente mais de uma vez, e no que se refere a Giambattista, nos bem conhecidos afrescos do Palácio Dugnani, em Milão, assim como na tela hoje no Museu
Nacional de Estocolmo, em relação à qual nossa obra mantém uma indubitável liberdade de invenção. No que tange a Zugno, não se conhecem outras versões do tema, mas a obra do Masp deve ser considerada, por suas
medidas e fatura extremamente solta, um esboço, um
bozzettoou modello, para uma tela de grandes dimensões, provavelmente parte de um ciclo decorativo maior.
Quando ainda estava na coleção do príncipe de Hessen, em Roma, a obra foi exposta em Veneza em 1929, na grande Mostra Il Settecento Veneziano (p. 61, n. 14, fig. 36), com o título
Episódio da História de Cipião. Trazia ainda uma atribuição ao próprio Tiepolo, apoiada em uma expertise de A. Venturi, de 1925, atribuição mantida no museu até o pequeno catálogo antológico de 1963, mas alterada corretamente em favor de Zugno
desde o catálogo sumário de 1982.