Membro de uma família de artistas, Bellini colaborava com o pai, o pintor Jacopo Bellini (1396‑1470), até começar a receber encomendas próprias. O artista assimilou de seu cunhado, o pintor Andrea Mantegna (
circa1431-1506), qualidades como o desenho rigoroso e a expressividade das figuras retratadas. A partir de 1483, Bellini tornou‑se pintor oficial da República de Veneza, onde comandava o maior ateliê da época. Na pintura
do MASP,
A Virgem com o Menino de pé, abraçando a mãe (Madonna Willys), Bellini mostrou uma certa distância entre Maria e Jesus. Embora os corpos estejam próximos, as expressões faciais são melancólicas, e Maria parece se esquivar; não há a mesma ternura presente nas outras madonas
italianas do período. A pintura apresenta as duas figuras atrás de um parapeito, que separa o espectador da cena, enfatizando a transcendência do aspecto divino das personagens em relação à vida mundana. O parapeito
pode sugerir, também, a mesa de um altar sobre o qual o menino é oferecido em sacrifício. Nesta obra, Bellini incorporou a espacialidade proposta pela pintura florentina, marcada pela profundidade do espaço, sem
perder o simbolismo e certo rigor formal característico da tradição de origem bizantina.
A iconografia de A Virgem com o Menino de Pé, Abraçando a Mãe (Madona Willys) representada em meia-gura atrás de um parapeito é extremamente inusual em outros pintores, enquanto é quase uma constante nas inúmeras Virgens de Bellini. Para além de uma predileção puramente formal, é possível que
esse partido compositivo vise à especulação teológica. Segundo uma hipótese de Goen (1975), reelaborada por Camesasca (1987), essa varian- te iconográca derivaria da simbólica bizantina, atinente originariamente
apenas à representação do Cristo, segundo a qual a meia-gura seria uma metáfora para sugerir “o aspecto inteiro” do divino, como se essa redução o adequasse à inteligibilidade humana. A tese foi efetivamente
sustentada no início do século XIII pelo constantinopolitano Nikolaos Mesarites. De qualquer modo, parece indubitável que Bellini almeje, especialmente na obra do Masp, uma espécie de sacralização máxima do sagrado.
A interação entre as guras, embora intensa, nada tem da afetivi- dade doméstica tão sedutora em tantas Virgens com o Menino do Quatrocentos italiano. Ao contrário, a sacralidade do grupo é su- blinhada, de um lado,
pela função de iconostase do parapeito que barra o acesso do espectador à representação do divino, e, de outro, pela delimitação entre este espaço sagrado e o espaço profano da paisagem. Tais compartimentações, tais
diferenciações conceituais e sensíveis do espaço, ou dos espaços pictóricos, demonstram o desinteresse de Bellini pelo axioma da unidade do espaço imposto pela perspectiva orentina e seu esforço em inventar um espaço
capaz de conciliar a nova paisagem pictórica com um espaço reminiscente da mística intelectualista de Bizâncio, tão profundamente condicionadora da sensibilidade veneziana. Como demonstraram Bottari (1963) e outros
estudiosos posteriores (Camesasca 1987), a obra do Masp é o protótipo de diversas cópias, versões e derivações, dentre as quais as de Francesco da SantaCroce (Vicenza, Museo Civico), Filippo Mazzola e Rocco Marconi
(ambas em Sarasota, Ringling Museum), Bernardino Licinio (Berenson 1958, g. 839) e Antonello de Saliba (Berlim, destruída em 1945). Conhecem-se, ademais, duas cópias, uma delas no Art Institute de Chicago, além de
variantes do próprio Bellini, como a Madonna degli Alberelli, datada de 1487, da Galleria dell’Accademia de Veneza (n. 596) e a Virgem Morelli, da Accademia Carrara de Bergamo.
Tais variantes do próprio mestre abrem a discussão sobre a datação da obra. Em 1916, a obra foi publicada pela primeira vez por Berenson, que a datou “do início de 1488”. Desde então, diversos estudiosos, dentre eles
Gronau, Dussler, Heinemann, Bottari, Pignatti, Lucco, Camesasca e Tempestini, têm proposto datações oscilantes entre c.1480 e 1500. Para Tempestini, por exemplo, ela deveria ser anterior a 1485, enquanto uma data em
torno de 1487-
1488, tal como proposta por Berenson, foi preferida por um bom número de historiadores, tais como Pignatti, Lucco, Bottari e Camesasca. Finalmente, Gronau, Dussler e Heinemann retardam a datação para o último decênio
do século.