Por Julia Bryan-Wilson
Édouard Manet (1832-1833) foi uma figura central no modernismo europeu, e suas pinturas fazem referência a temas clássicos da história da arte, além de abordar questões oportunas, como alienação urbana, estratificação de classe e industrialização. Sou uma historiadora de arte feminista, frequentemente questionando o cânone europeu em meu trabalho, e meus alunos ficam surpresos ao saber que Manet é meu pintor favorito—na verdade, eu o considero uma espécie de proto-feminista, pois muitas de suas obras confrontam diretamente questões de gênero, e por causa da sensibilidade não idealizada com a qual ele representava a forma feminina. (E, significativamente, a única estudante que ele teve formalmente foi uma mulher, Eva Gonzales, cujo trabalho foi apresentado em Histórias das mulheres, que eu co-curei, no MASP, ano passado com Mariana Leme e Lilia Schwarcz). Banhistas no Sena—Academia evoca uma conhecida pintura de François Boucher. Ela foi pintada uma década depois da escandalosa obra Olympia ser exposta no Salão de Paris de 1865, e é possível ver algumas semelhanças entre as duas pinturas de Manet. Porém em Banhistas no Sena, Manet se volta mais decisivamente para o achatamento e a fragmentação que tornaram suas obras tão radicais e inovadoras — essas mulheres ocupam o mesmo quadro, mas trata-se de um espaço potente, estranho e distorcido. Como de costume, ele dá às personagens femininas uma sensação de que elas têm uma vida interior à qual não temos acesso. Os pés da mulher à esquerda parecem estar em movimento, ao mesmo tempo que se dissolvem no rio. Ela olha para a água enquanto arruma os cabelos, absorvida em suas próprias ações e um pouco indiferente a nosso olhar. Eu a imagino dizendo a Manet — e a mim, ao longo das décadas – você pode ver meu rosto, mas meus pensamentos são só meus.
— Julia Bryan-Wilson, curadora adjunta de arte moderna e contemporânea, MASP, 2020
O título alternativo Academia, como nota Camesasca (1987, p. 67), é indicativo do fato de que a obra Banhistas no Sena – Academia foi freqüentemente considerada um estudo. A ambigüidade daí resultante é típica de Manet. As Banhistas remetem efetivamente ao conceito e às práticas de ateliê, de estudo de modelo. Nesse sentido, a obra situa-se em um universo mental “pré-moderno”, que guarda em todo o caso poucas afinidades com o impressionismo. A cultura erudita da obra transparece nas alusões à iconografia mitológica como “banho de Diana”, por demais evidentes para que se deva nelas insistir. Por outro lado, a visão de Manet é totalmente transfiguradora, não tanto porque abole definitivamente os limites entre estudo e obra acabada, mas sobretudo porque traz uma solução radical ao desafio da construção da forma sem desenho, nem sfumato, ou melhor, da construção da sensualidade corpórea que prescinde tanto da dinâmica das massas em claro-escuro quanto da linha caligráfica, ao desafio, enfim, de se propor uma inserção puramente pictórica – sem o apoio de um dispositivo ótico – da figura no espaço em profundidade.
Com a descoberta (Tabarant 1947, p. 248, n. 606) de uma aquarela preparatória da obra, conservada em Lucerna, na Suíça, e datada pelo estudioso de 1874, a datação da tela do Masp, situada em torno de 1876 (Jamot, Wildenstein e Bataille 1932, n. 264), pode ser ligeiramente antecipada. Mas Camesasca (1987, p. 68) aventa a hipótese de a aquarela ser uma cópia da obra sobre tela. O mesmo estudioso sublinha as relações da composição com a emergência da fotografia e situa a cena provavelmente às margens do Sena, na altura da propriedade dos Manet, em Gennevilliers. Foram notadas afinidades estilísticas e a conseqüente proximidade cronológica entre esta obra-prima de Manet e as duas célebres Casais em Barca, de 1874, conservadas em Tournai, Musée des Beaux-Arts e em Nova York, Metropolitan Museum (Bardi 1979, p. 50; Camesasca 1987, p. 70).
— Autoria desconhecida, 1998
Por Equipe de comunicação, MASP, 2023
Édouard Manet nasceu em Paris, França, em 1832, e foi uma figura central do modernismo europeu. Durante sua juventude ingressou na carreira de oficial da marinha e esteve no Brasil como passageiro de um navio ancorado na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. De volta para a França, convencido de que a renovação da pintura deveria basear-se no estudo da tradição, copiou as grandes obras do Louvre e viajou pela Itália, Holanda, Áustria e Espanha. Em sua obra, Manet abordou questões próprias dos processos de modernização ao longo do século 19, como a industrialização, as relações entre campo e cidade, a alienação urbana e as diferentes condições socioeconômicas da população do período. Suas obras confrontam diretamente questões de gênero e carregam uma sensibilidade não idealizada com a qual ele representava a forma feminina. Na obra Banhistas no Sena–Academia, pertencente ao acervo do MASP, o artista se volta mais decisivamente para o achatamento e a fragmentação que tornaram suas obras tão radicais e inovadoras naquele momento: as mulheres ocupam o mesmo plano e foram pintadas sem sombras ou modulação de volume, fugindo dos paradigmas da perspectiva linear que dominava a academia e tornando o espaço distorcido. Como de costume em sua obra, o artista dá às personagens femininas uma sensação de que elas têm uma vida interior à qual não temos acesso. Os pés da mulher à esquerda parecem estar em movimento, ao mesmo tempo que se dissolvem no rio, por um conjunto de pinceladas que confundem o movimento da água e de seu corpo. O título alternativo da obra, 'Academia', como nota o historiador italiano Camesasca (1987, p. 67), é indicativo de que Banhistas no Sena–Academia foi frequentemente considerada um estudo pelo pintor, remetendo aos conceitos e práticas de ateliê.
— Equipe de comunicação, MASP, 2023