Com passagem pela Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, Ismael Nery viveu por dois períodos na França: nos anos 1910, para estudar na conhecida Académie Julian, e no final da década de 1920, quando se aproximou dos surrealistas, especialmente de Marc Chagall (1887-1985). Alheio aos temas nacionais da Semana de 1922, Nery criou pinturas sobre cenários e personagens imaginários e universalizantes, repletas de simbolismos ligados ao onírico e ao metafísico. Destacam-se a geometrização e a simplificação formal de suas figuras, dispostas fora de um tempo ou espaço reconhecíveis. Autor sobretudo de retratos, Nery produziu muitas composições em que o rosto humano aparece como justaposição de duas ou três figuras, em geral com forte acento abstrato e surrealista—como se vê em Perfil e alma, do acervo do MASP. Aqui, um perfil estilizado, delineado em preto e marcado com um círculo verde, se entrelaça a outras formas mais ou menos reconhecíveis, como outro olho vermelho, em englobamentos sucessivos—o que pode simbolizar a alma. Enquanto o perfil da figura é reconhecível pelos traços, olho, nariz e boca, a outra, que se constrói em formas ovaladas, é muito mais abstrata, encapsulando outras formas em cores monocromáticas que a envolvem entre si e o perfil ao seu lado. A relação entre essas formas e cores pode aludir ao duplo corpo e matéria, que se englobam em um ser híbrido, cindido, encapsulado, mas com algo que escapa de sua própria figura.
— Guilherme Giufrida, curador assistente, MASP, 2022