Ecce Homo. Cristo Morto no Sarcófago como “Vir Dolorum” trata-se de uma porta de tabernáculo ou de relicário, como atesta a fechadura à esquerda. Uma paroxística crueza de modelado precisa a anatomia da gura com o mesmo rigor poético com que se desenha no espaço a
perspectiva do sarcófago antigo, cuja elegância não é de resto isenta de sabor arqueológico. A iconografia do “Cristo como Homem das Dores” associa-se freqüentemente à da “Arma Christi”, em que é representado com os
instrumentos da Paixão, e à da “Missa de São Gregório Magno”, durante a qual esta imagem de Cristo teria aparecido ao santo quando celebrava uma missa na igreja de Santa Croce em Jerusalém (ou, segundo outra
tradição, em São Pedro). Um pequeno ícone em mosaico do século xiv, conservado em Santa Croce, seria possivelmente uma cópia de um protótipo muito mais antigo (séculos vii-viii), o qual, por sua vez, ofereceria um
registro coevo do milagre. A questão foi estudada nos últimos decênios sobretudo por Vetter (1963) e por Bertelli (1967). De acordo com o primeiro, o mais antigo exemplar conservado do tema é o ícone da sacristia da
igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, datável do século XII. Na Itália, o tema se manifesta com certa recorrência já no século XIII, seja na iluminura (Vetter 1963, pp. 199-214), seja na pintura toscana (Garrison
1949, n. 150; Marques 1987, p. 230), seja ainda na pintura vêneta (Garrison 1949, n. 152, 153, 267 e 268). O Masp conserva uma Missa de São Gregório com o Juízo Final, do pintor catalão-valenciano Mestre da Família
Artés, ativo na passagem dos séculos xv-xvi, que atesta a enorme difusão dessa iconografia fora da cultura italiana. Dentre as numerosas representações do tema no século xv, duas composições muito similares ao nosso
quadro, ambas estilisticamente tributárias de Niccolò Alunno, conservam-se na Galleria Nazionale dell’Umbria, em Perúgia (Santi 1985, n. 24) e no Wallraf-Richartz-Museum, de Colônia (Klesse 1973, n. 744, p. 138), a
atestar a difusão deste tipo de representação do Cristo no sarcófago como “Homem das Dores”, na pintura úmbria do último Quatrocentos.