Em suas composições abstratas, Antonio Bandeira (1922-1967) muitas vezes encontrou metáforas de figuras, frequentemente de flores ou paisagens, em geral destacadas nos títulos das obras. Em Flore nocturne [Flora noturna], pintada em Paris no final de sua vida, fragmentos luminosos de cor irrompem sobre um negro intenso a partir de experimentos do artista com as camadas de tinta e as pinceladas. A tela exibe a técnica do craquelê de secagem, realizada por meio da descolagem intencional — que difere da deterioração — de fragmentos da última camada pictórica, mantendo os outros tons presos à pintura. Entre a organização e o caos, a obra insinua uma composição vegetal, em que flores ou frutos emulam uma explosão, como um mosaico desfeito. Vê-se na tela uma constelação de luzes que lembram também a atmosfera noturna de uma cidade. Bandeira incorporou em sua prática gotejamentos e respingos de tinta, o que remete à pintura gestual de Jackson Pollock (1912-1956). Em vez da proliferação livre de marcas, no entanto, nota-se uma força de atração que compacta os respingos de tinta em um espaço menor do que o da dimensão total da tela. A margem ampla, em torno dos pontos de cor, evidencia o controle da composição sobre as pulsões do gesto e do acaso.
— Guilherme Giufrida, assistente curatorial, MASP, 2018