Filho de trabalhadores rurais italianos da costa amalfitana, região que aparece em vários de seus trabalhos, Antônio Ferrigno produziu obras com temas sociais e a partir de vistas de Nápoles, onde estudou pintura. Em busca de novos horizontes para sua obra — o exotismo e as cores vivas das paisagens tropicais —, viajou ao Brasil em 1893. Nesse país, também esperava encontrar oportunidades para financiar o seu trabalho por meio do mercado de arte nacional, em suposta ascensão. Naquele momento, São Paulo enriquecia- se e a vida artística tornava-se mais intensa — na cidade havia até mesmo um grupo de artistas italianos. Nos doze anos em que permaneceu em São Paulo, entre 1893 e 1905, Ferrigno produziu uma importante iconografia paulista, do interior e do litoral, assim como pinturas encomendadas por latifundiários para divulgar seus produtos de exportação, e, ainda, cenas do cotidiano de personagens e ambientes populares. Aliando observação e imaginação, o pintor costumava realizar um esboço da paisagem nolocal, e depois finalizar os quadros no ateliê, acrescentando outros elementos, na maior parte das vezes, ficcionais. Pintava as mesmas vistas em várias versões, em quadros, em sua maioria sem data, apenas assinados, o que parece mostrar o processo de sua pintura e a intenção do pintor de fazer circular seu trabalho. Na capital paulista, Ferrigno representou cenas principalmente da face leste em relação ao centro de São Paulo (onde hoje se localiza o Parque Dom Pedro). Rua 25 de março, SP (circa 1894) retrata uma vista dessa importante via comercial, em que se notam também o mosteiro de São Bento, comerciantes na calçada do Mercado Municipal, uma carruagem passando sobre uma via enlameada, além de lavadeiras — personagens que ele havia retratado na fase italiana anterior — às margens do rio Tamanduateí. Observam-se a geografia e o relevo que marcam a urbanização da cidade. Ladeira Porto Geral, SP (circa 1894) retrata outra perspectiva do mosteiro. Destaca-se a complexidade com que ele pintou a água e seus efeitos ópticos, mostrando as personagens em cena, as lavadeiras, por meio dos reflexos de suas roupas e corpos espelhados sobre o riacho. Em Rio Tamanduateí, São Paulo, SP (1894), Ferrigno representa casas à beira do rio de mesmo nome, em que escadas dão aos moradores acesso direto às embarcações que ali se encontram. O artista retratou a paisagem urbana paulistana na perspectiva de seus rios, em meio aos quais a cidade foi fundada, e destacou o seu uso para o transporte e para a lavagem de roupas. Pintou uma cidade mais próxima da natureza do que se vê atualmente, circundada por montanhas, repleta de vegetação e marcada por pontes que ligavam-na ao que na época era sua zona rural. Embora sejam representações pictóricas e não possam ser imediatamente consideradas registros de uma época, tais pinturas permitem entrever aspectos interessantes da configuração da paisagem e dos costumes paulistanos do início do século 20. O pintor registrou a arquitetura em estilo colonial, que seria rapidamente demolida nas décadas seguintes. Mostrou também a precariedade da pavimentação das ruas e passeios, e os alagamentos que, já naquela época, comprometiam o trânsito. Além disso, retratou o convívio entre personagens das classes populares e carruagens na mesma composição.
— Guilherme Giufrida, assistente curatorial, MASP, 2018