Nascido em Livorno, na Itália, Amedeo Modigliani estudou nas academias de belas artes de Florença e Veneza e chegou a Paris em 1906, quando passou a expor nos salões. Foi associado aos artistas da Escola de Paris,
como Henri Matisse (1869-1954) e Pablo Picasso (1881-1973). Como eles, foi impactado pela arte não ocidental que era exposta no hoje extinto Museu de Etnografia do Trocadéro. Máscaras e objetos rituais instigavam por
sua visualidade sintética, muito linear e refinada, como a antiga escultura das Ilhas Cicládicas, que o inspirou fortemente. Amigo de Constantin Brancusi (1876-1957), Modigliani passou a esculpir, mas fez apenas
cerca de 25 obras — teve que abandonar a escultura em 1914, devido a problemas pulmonares. Concentrou-se então em desenhos e pinturas, e esse trânsito entre linguagens o levou a elaborar uma forma de retrato muito
particular: traços firmes, fundos monocromáticos, personagens longilíneas, olhos marcantes. Mantendo-se fiel à figura humana, Modigliani modernizou o gênero do retrato através da simplificação de linhas em busca de
uma espécie de fisionomia atemporal.
Madame G. van Muyden é um dos raros retratos pintados pelo artista sob encomenda. Cécile Crinsoz e seu marido, Georges van Muyden, eram suíços, haviam se casado em 1913, e conviviam com artistas, escritores e compositores. Nascida em
1891, ela tinha 25 ou 26 anos quando posou para Modigliani. Como em outros retratos femininos do artista, a mulher aparece elegantemente vestida de preto contra um fundo monocromático denso de pinceladas, a cabeça
levemente inclinada, os olhos turvos conferindo-lhe um ar enigmático. O MASP possui seis retratos pintados por Modigliani, quatro femininos e dois masculinos.
Por Nelson Aguilar
As personagens de Modigliani possuem um comportamento gótico, longilíneo, tal qual um girassol procurando as alturas, a fim de celebrar o heliotropismo, conforme se pode notar nos outros cinco retratos do acervo do
Masp –
Madame G. van Muyden, Renée, Chakoska, Retrato de Leopold Zborowski, Lumia Czcchwska. O Retrato de Diego Riverainfringe a regra, explodindo o formato em dois ritmos concêntricos que qualificam a figura exuberante do muralista mexicano. O artista se vale da técnica divisionista, multiplica as pinceladas, criando uma construção
em vitral, elaborada em número de ouro. O quadro é tão inacabado quanto as aquarelas de Cézanne: o vazio presente na coloração ocre do papelão é incitado pelas correntes negras e prateadas e se torna território
habitado pelo sentido gestual. O pintor, pela freqüentação com obras de artes milenares, possui profundo conhecimento do cerimonial. A abertura da Escola de Paris, diante da riqueza do que foi recalcado por toda a
cultura acadêmica desde o Renascimento, permite reconhecer o culto solar, pré-colombiano, que Rivera iria reverenciar regressando ao país.
Mais do que retrato, o óleo é a antecipação destinativa do modelo, operada tão-somente pela permeabilidade transcultural de Modigliani, aprendida com Brancusi, que iria impressionar também Tarsila do Amaral.
Consultado pelo Masp, em 1953, Rivera declara que o quadro foi feito em seu ateliê, em Montparnasse.