MASP

Quentin Metsys (Seguidor de)

O casamento desigual, 1525-30

  • Autor:
    Quentin Metsys (Seguidor de)
  • Dados biográficos:
  • Título:
    O casamento desigual
  • Data da obra:
    1525-30
  • Técnica:
    Óleo sobre tela
  • Dimensões:
    54 x 89,5 x 0,5 cm
  • Aquisição:
    Doação Barão Hans Heinrich Thyssen-Bornemisza, 1965
  • Designação:
    Pintura
  • Número de inventário:
    MASP.00652
  • Créditos da fotografia:
    João Musa

TEXTOS



O casamento desigual representa o tema do “casamento grotesco” — o jovem que se casa com a velha por interesse em sua riqueza –, comum na tradição popular medieval e nas comédias gregas e romanas. O tópico também aparece em textos de grande circulação, sobretudo na Europa setentrional, como o poema “A nau dos insensatos” (1494), de Sebastian Brant (1457-1521), e o Elogio da loucura (1511), de Erasmo de Roterdã (1466-1536). A obra é atribuída a um seguidor de Quentin Metsys. Este tratou o assunto, embora de forma muito diferente, numa pintura pertencente à National Gallery de Washington, datável entre 1520 e 1525. Ao lado da proximidade com o mestre holandês, a crítica evidenciou também na obra do MASP uma forte dependência de invenções grotescas de Leonardo da Vinci (1452-1519). O casal ao centro da composição deriva de um desenho perdido do pintor italiano, conhecido apenas por uma cópia de circa 1602 (Albertina, Viena), atribuída a Jacob Hoefnagel (1575-1630), e reproduzido numa gravura por Wenceslau Hollar (1607-1677) em 1646. Quatro das outras seis figuras procedem de outro desenho de Leonardo conservado em Windsor, chamado de Cinco cabeças disformes. É possível que o quadro reflita o grande sucesso europeu dos desenhos cômicos de Leonardo, que certamente foram copiados e reproduzidos pelos seguidores e herdeiros do mestre ativos em Milão, até a segunda metade do século 16.

— Equipe curatorial MASP, 2017




Por Sofia Hennen
Acho impressionante a quantidade de informações que podemos encontrar nas obras. Elas contam uma história através da sua imagem. Mas também possuem uma vida, uma história própria, atravessando distintos eventos históricos e adversidades através dos séculos. Às vezes, conseguimos traçar esse passado. Então, nos convertemos em verdadeiros detetives, mergulhando nos arquivos e registrando até os mínimos detalhes presentes nos quadros, para desvendar os seus mistérios. É o caso de uma das pinturas nas quais estou trabalhando atualmente – uma das minhas preferidas – O casamento desigual, atribuída a um seguidor do pintor flamengo Quentin Metsys (1466-1530), cuja história foi bastante conturbada. A obra teria sido encomendada por um cliente privado do círculo intelectual da Antuérpia do século 16. As análises feitas em conjunto com físicos da Universidade de São Paulo (IFUSP) nos permitiram determinar que se trata de uma composição original, baseada em modelos de Metsys, e não uma cópia, como tinha sido estabelecido. Em algum momento, a obra entrou na coleção real francesa, encontrando-se nos gabinetes privados dos reis, tanto no Louvre, como em Versalhes, durante os séculos 17 e 18. A obra desaparece então dos inventários reais (talvez foi roubada e vendida durante o contexto da Revolução Francesa) e depois de ter circulado no mercado da arte, entra na coleção do barão Thyssen-Bornemisza, que a doa ao MASP em 1965. Durante todo esse tempo, o quadro sofreu distintos danos e intervenções, mudando profundamente algumas das suas características materiais e estéticas. Como todos nós, as obras também são marcadas pela vida e portam as cicatrizes das suas histórias.

— Sofia Hennen, supervisora no Centro de Conservação e Restauro, MASP, 2020

Fonte: Instagram @masp 05.06.2020





O título anterior da obra era Contrato de Casamento. O título proposto parece preferível por sua maior precisão e porque o tema representado pertence de pleno direito à assim chamada iconografia do Ill-Matched-Pair ou Ill-Assorted Lovers, ou ainda, em italiano, do Sposalizio Grottesco, muito difundida na pintura nórdica dos séculos XV e XVI, mas também na pintura e gravura italianas até o século XVII (Pigler 1956, II, p. 544). Trata-se de uma cena festiva de um casamento entre duas pessoas de idades muito diferentes – no caso, uma velha e um jovem –, união baseada no interesse da pessoa mais jovem pelo dinheiro da mais velha. Embora remontando a uma antiga tradição medieval, que por sua vez retoma um topos da comédia antiga, o tema ganha evidência na literatura nórdica de conotação satírica, cuja expressão maior é o célebre poema intitulado A Nau dos Insensatos (Das Narrens-chi) de Sebastian Brant, publicado em 1494. Em seu capítulo 52 (“Wibe durch gutz Wille”), Brant trata de uma das figuras da loucura, o “casamento por vontade de bens”. O tema reaparece pleno de humor em Erasmo de Roterdã, em seu Elogio da Loucura (Stultitia laus, Antuérpia, 1512) e em especial no capítulo 31, no qual o grande humanista considera o caso alternativo da velha rica com o belo rapaz, em uma extraordinária passagem que bem pode ser uma fonte literária precisa para a obra do Masp: “Mas o mais charmoso é ver velhas, tão velhas, tão cadavéricas que parecem retornar dos Infernos, repetir constantemente: ‘A vida é bela!’ Elas são quentes como cadelas ou, como dizem, prazenteiros, os gregos, cheiram a bode. Elas seduzem a preço de ouro algum jovem Pavão (...). Todo o mundo escarnece delas e as chamam do que são, arquiloucas”. Outras possíveis fontes literárias do tema são discutidas por Silver (1974, pp. 115-117), que nomeia em especial uma coletânea de poemas deste gênero publicada em 1530 pelo pintor e editor Jan van Doesborch, colega de Metsys na guilda de São Lucas em Antuérpia. O tema foi igualmente popularizado na gravura alemã do século XV, como se depreende de duas gravuras do Mestre do Livro de Casa (Hausbuchmeister, ativo entre 1465 e 1500 e considerado o inventor da técnica da ponta-seca), copiadas por Israhel van Meckenen (Bartsch VI, 266, n. 169 e n. 170), que certamente influenciaram Dürer (Bartsch 93), Cranach, além de alguns mestres flamengos da geração sucessiva, dentre os quais Metsys. O tema foi com efeito abordado por Metsys em uma obra bem conhecida, conservada na National Gallery de Washington, geralmente datada de 1522-1523, isto é, da última atividade do artista. Em 1974, em uma análise pontual da obra, então há pouco adquirida pelo museu de Washington, Silver recapitula as hipóteses avançadas na historiografia, desde Baldass e Friedländer referente à influência de Leonardo sobre Metsys. Outros autores, não diretamente interessados na obra de Washington, como Bautier (1975, p. 187), sublinharam igualmente esta influência. Quando ainda na coleção Thyssen-Bornemisza, a obra foi publicada por Friedländer como uma “réplica” de Metsys (1947, p. 115). Uma segunda versão da mesma composição, conservada na coleção C. Y. Pallitz em Nova York, de dimensões similares (56 x 84 cm), foi publicada por Larsen (1950, p. 171), igualmente como obra de Metsys. Em 1974 (p. 109, fig. 9) e novamente em 1984 (fig. 134), Silver republica a versão do Masp, ignorando sua atual localização, justamente como obra de um seguidor de Metsys, intitulando-a em 1984 Ill-Matched Pair and Merry Company. O autor reconhece desde então os dois modelos leonardianos curiosamente articulados na obra em questão, que revela ser, assim, uma montagem de duas idéias independentes de Leonardo. O casal ao centro da composição deriva de um desenho perdido de Leonardo, conhecido apenas por uma gravura de c. 1620, atribuída a Jacob Hoefnagel (1575-c.1630). A gravura testemunha o interesse de Leonardo pela iconografia O Casamento Desigual, interesse provavelmente relacionado ao seu conhecimento da pintura e gravura nórdicas, traduzidas para a linguagem de seu próprio universo de especulações fisiognomônicas. Quatro das seis figuras que rodeiam o casal derivam de outro e mais célebre desenho de Leonardo conservado em Windsor, chamado Cinco Cabeças Disformes (12495 r.). Intensamente estudado pela literatura leonardiana desde Mariette, este desenho foi ainda recentemente rediscutido por Caroli (1990, p. 70) e por Cagliati Arano (in Marani, Nepi Sciré, 1992, p. 320). Datado por Clark-Pedretti (1968, I, p. 84) de 1494, ele talvez ecoe, segundo Cagliati Arano, sobretudo no detalhe da cabeça bestial com a boca aberta, as anotações de Leonardo sobre os bestiários medievais, no manuscrito H, justamente de 1494. Que em todo caso as cinco cabeças gozassem de um prestígio muito antigo, testemunham-no duas cópias no Louvre (Braun 62212) e no Grossherzogliches Museum de Weimar (Braun 79651), além da gravura já seiscentista de Wenzel Hollar (1607-1677). Certamente nosso pintor conhecia ao menos uma cópia deste desenho, pois as duas cabeças à esquerda, e uma ou mesmo duas cabeças à direita da composição, são cópias mais ou menos fiéis das de Leonardo. Há razões suficientes para se acreditar que a obra do Masp não seja anterior ao terceiro decênio do século XVI. Em primeiro lugar, porque os modelos leonardianos não se difundem largamente nos Países Baixos antes do final do segundo decênio, isto é, antes da estada de Leonardo na corte de Francisco I, entre 1516 e 1519. Um leonardismo à maneira de Antuérpia, à maneira de pintores como Joos van Cleve, Cornelis Anthonisz e Coecke van Aelst, não se firma senão com e após estes anos franceses de Leonardo. Em segundo lugar, porque este leonardismo é freqüentemente filtrado pela interpretação que lhe dá Metsys, o qual copia francamente modelos leonardianos em obras destes mesmos anos, como a Velha Grotesca da National Gallery de Londres e em obras já da primeira metade dos anos 20, como o São João Batista e o Cristo se Beijando (Chatsworth, Devonshire), além do mencionado O Casamento Desigual, de Washington. Concluiu-se assim que a obra do Masp possa ser datada plenamente dos anos 20 ou, no máximo, do final desse decênio.

— Autoria desconhecida, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).



Pesquise
no Acervo

Filtre sua busca