Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) produziu diversos trabalhos que representam as cidades históricas de Minas Gerais, tanto reais quanto imaginadas. Olhou para a arquitetura colonial, especialmente as igrejas
barrocas, e para as montanhas e relevos acidentados, marcas da região, um território repleto de significados para a história da colonização e da arte brasileiras. Em
Paisagem imaginária/Paisagem com nuvens e igrejas (sem data), veem-se vultos de igrejas, em destaque, além da vegetação, dos casarios e de algumas figuras. Ao fundo, a montanha torna-se progressivamente marrom, e nos planos mais à frente, diferentes tons de verde
compõem a vegetação, dando-lhe volume e relevo. Guignard desenhou contornos e detalhes das igrejas sobre o branco do fundo preparado do suporte, dando-lhes destaque. O pintor dispôs, próximos aos casarios, traçados
de sujeitos de pele escura, estilizados, e um animal quadrúpede. Essas são as únicas marcas mais densas de uma pintura a óleo bem diluído, em que o resultado se aproxima visualmente de uma aquarela, adquirindo uma
qualidade próxima do inacabado. Nota-se uma divisão cromática sutil entre os tons das montanhas e do céu, que parece turvo, com negros transpassados sobre o azul, emulando a iminência de uma tempestade. Guignard
pinta uma paisagem fabulada e mística, como se escolhesse representar apenas o que lhe é fundamental. É possível capturar da pintura a atmosfera e a nebulosidade desse lugar, onde tudo parece ser fugidio, difuso, ou
estar em suspensão, acima do solo, sem pontos de apoio firmes. Através desses cenários, onde não se veem caminhos bem definidos nem distâncias proporcionais, percebe-se também um diálogo de Guignard com a pintura
chinesa, sobretudo pela utilização de uma perspectiva em que o observador pode apreender a paisagem de longe e a arquitetura de perto, simultaneamente.
Por Núcleo de Conservação do MASP
A obra de Alberto da Veiga Guignard Paisagem imagináriaentrou para o MASP em 2018, parte de um comodato de 30 anos com a B3–Brasil, Bolsa, Balcão. Ela é uma das sete obras do artista atualmente no MASP. A pintura, a óleo, é muito fina e diluída, o que lhe confere um
aspecto aquarelado. Essa transparência sobreposta ao fundo de preparação branco confere luminosidade à composição, e deixa evidente efeitos pictóricos como pinceladas e gestos do artista. Os exames e análises feitos
em parceria com o Instituto de Física da USP (IFUSP), como a fotografia com fluorescência visível no ultravioleta e espectroscopia por fluorescência de raios X, permitiram descobrir características materiais e
técnicas, como quais pigmentos Guignard usou nesta obra. Esta pintura foi feita sob um compensado de madeira, um tipo de suporte que começou a ser utilizado por artistas no século 20 e que apresenta problemáticas
próprias, características do seu modo de fabricação. Vemos no quadro de Guignard um padrão de fissuras horizontais, alterações que estão diretamente ligadas ao modo de laminação do compensado. Essas fissuras deixam
sua marca por toda a pintura. A obra já havia sido restaurada no passado, antes de sua chegada ao museu. Daquela vez, recebera, além de retoques na pintura, uma intervenção chamada parquetagem e um painel protetor, o
que tornou o verso da obra, contendo um delicada marca da Fundação Guignard, inacessível. A equipe de conservação do MASP optou por não remover essa parquetagem e não restaurar as fissuras, pois o processo poderia
trazer mais prejuízos do que benefícios à obra. Para preservá-la, o foco tornou-se a conservação preventiva para assegurar condições adequadas para que ela permaneça estável.