Por Felipe Chaimovich
Renoir nasceu na cidade de Limoges, em 1841, forte centro manufatureiro de porcelanas pintadas, indo morar em Paris ainda criança. Aos treze anos, o pai de Renoir empregou-o como pintor de porcelanas na firma Lévy
Frères, onde era remunerado por peça pintada. Desde o primeiro emprego, Renoir trabalhou com uma técnica de pintura cuja remuneração aumentava proporcionalmente à velocidade de execução: quanto mais peças acabadas,
maior o ganho. Em seguida, Renoir trabalhou como pintor de leques, passando a copiar sobretudo os quadros de Boucher, Lancret e Watteau; os três haviam praticado a pintura com tinta opaca, dando a Renoir o treino
nessa técnica, que dispensa todo trabalho de fundo de tela, pois o encobre no final. Renoir trabalhou também como pintor de cortinas de enrolar e, nessa ocasião, já tinha a habilidade técnica acumulada que lhe
permitia pintar com rapidez única dentre seus colegas de manufatura, como ele mesmo recorda: “uma única coisa preocupava meu patrão. Ele gostava do meu trabalho e chegou mesmo a confessar que nunca encontrara antes
um auxiliar tão esperto. Mas conhecia bem o valor do dinheiro e ficava perturbado ao pensar que eu podia fazer as coisas tão facilmente, pois éramos pagos por peça. O meu predecessor, que era sempre mostrado como
exemplo perfeito aos novatos, nunca pintara nada sem uma longa preparação e um esboço preliminar [
mise au carreau]. Quando o patrão me viu pintando as figuras diretamente na tela nua, ficou zangado. (...) Quando finalmente foi forçado a admitir que todos os processos preliminares poderiam ser descartados, quis reduzir os
preços. Mas seu sobrinho aconselhou-me a ficar firme”.
Renoir abandonou a pintura manufatureira em 1861, onde começara a trabalhar aos treze anos, após economizar dinheiro para se sustentar com estudante de pintura de quadros. Para tal propósito, passou a estudar com o
pintor Charles Gleyre, que abrira uma escola particular onde se podia praticar com modelo-vivo. Gleyre usava a técnica do claro-escuro. Renoir passou a praticar o claro-escuro por interesse nas vendas que um
comerciante de quadros lhe prometera. Na escola de Gleyre, Renoir conheceu Alfred Sisley, Fréderic Bazille e Claude Monet. No verão de 1862, foi a Fontainebleau em companhia de Sisley. Ao conhecer o veterano Díaz
Peña, recebeu um conselho decisivo: abandonar o claro-escuro, ou seja, adotar a pintura clara: “um dos principais motivos que me fez deixar de pintar em ‘negro’ foi meu encontro com Díaz. Encontrei-o em
circunstâncias muito interessantes, num dia de verão em que eu estava trabalhando na floresta de Fontainebleau, onde costumava pintar paisagens com Sisley. (...) timidamente mostrei-lhe a tela em que estava
trabalhando (...) ‘Mas por que diabos pinta com tons tão negros?’ Imediatamente comecei outra paisagem, tentando reproduzir a luz que via nas árvores, nas sombras, no solo, tais como eu as percebia. ‘Você ficou
louco!’, exclamou Sisley quando viu meu quadro. ‘Que ideia essa de fazer as árvores azuis e o chão roxo!’” Pelos anos seguintes, Renoir desenvolveu a combinação de destreza e rapidez, pintura clara e uso de tinta a
óleo opaca.
No
Retrato de Coco (Claude Renoir), o pintor evidencia o método da pincelada rápida e da pintura clara na roupa que ocupa a parte inferior do quadro. As pinceladas de azul são feitas com a tinta bem diluída, aplicada após a secagem das camadas
inferiores de branco no fundo, resultando num efeito quase líquido, com contornos tão fluidos que nem se nota o caminho das cerdas do pincel. As pinceladas de branco que fazem as linhas do primeiro plano, também
aplicadas sobre o branco do fundo, mostram melhor a marca do pincel, indicando gestos únicos e certeiros. Entretanto, o rosto da figura retoma a técnica do claro-escuro. A parte superior do quadro contrasta com a
pintura mais clara da parte inferior. No caso do rosto, o rosado da pele ganha luz pela oposição ao ocre do seu entorno, revelando um procedimento aparentado ao da pintura aprendida por Renoir no ateliê de Gleyre. A
ambiguidade de tratamento fica evidente na construção do cabelo, pois figura e fundo parecem fundir-se num só plano, apesar do sombreado que delineia o contorno da cabeça.
O quadro evidencia, assim, a simultaneidade de partidos técnicos que Renoir mantém ao longo de sua carreira. Sua destreza acompanha o amadurecimento do artista.
Por Luciano Migliaccio
Retrato do terceiro filho de Renoir, Claude, apelidado “Coco”, nascido em 1901, o que sugere uma datação da obra em torno de 1903-1904. Para Adriani trata-se do retrato que figura em
Maria Dupuis com Espelho e Retrato de Coco (coleção Schnabel, Hamburgo). Como observa Camesasca (1988, p. 158) a obra deve suceder ao medalhão em terracota, modelado em 1907 Musée Marmottan), e preceder o célebre
Clown Rouge(Musée de l’Orangerie), datado de 1909, cuja fatura compacta e densa está, de algum modo, já anunciada em Retrato de Claude Renoir.