MASP

Ticiano

Retrato do cardeal Cristoforo Madruzzo, 1552

  • Autor:
    Ticiano
  • Dados biográficos:
    Pieve di Cadore, Itália, 1488-Veneza, Itália ,1576
  • Título:
    Retrato do cardeal Cristoforo Madruzzo
  • Data da obra:
    1552
  • Técnica:
    Óleo sobre tela
  • Dimensões:
    210 x 110 x 12 cm
  • Aquisição:
    Doação Família Sotto Maior, Horácio Lafer, Wolff Klabin, Costa Pacheco, José Correia Mattoso, Geremia Lunardelli, Antônio Moura Andrade, Fúlvio Morganti, Prudente Ferreira, José Alfredo de Almeida, Mário Audrá, Nelson Seabra, dona Sinhá Junqueira, Carlos Rocha Miranda, condessa Marina Crespi, J. Ferraz Camargo, Alberto Soares Sampaio, José Machado Coelho de Castro, Ricardo Fasanello, Marinho Andrade do Valle, Alfredo Ferreira, Adalberto Ferreira, Peixoto de Castro, João Rosato, Joaquim Bento Alves de Lima, Júlio Capua, Waldemar Salles, Sotto Maior & Cia., Banco Sotto Maior S.A., Araújo Costa & Cia., Seabra Cia. de Tecidos S.A., Aliança da Bahia Capitalização, Souza Dantas & Cia., Companhia Antarctica Paulista S.A. e Jacques Pilon., 1951
  • Designação:
    Pintura
  • Número de inventário:
    MASP.00020
  • Créditos da fotografia:
    João Musa

TEXTOS



Nascido em Cadore, na época território da República de Veneza, Ticiano tornou-se um dos mais reconhecidos pintores da renascença. Na juventude, frequentou os ateliês de Giovanni Bellini (circa 1430/35-1516) e Giorgione (1477-1510). Ele foi um dos primeiros pintores a utilizar preferencialmente a cor como elemento constitutivo da composição, substituindo o desenho pelas manchas cromáticas. Suas pinturas são marcadas por grandes formatos e por cenas de impacto emocional. Foi o mais famoso retratista de sua época, criando uma nova interpretação do gênero, o chamado “retrato em ação”, que unia a fidelidade da representação das fisionomias com alusões ao papel histórico, político e social dos seus modelos. Por isso, foi o artista preferido de Carlos V (1500-1558), o imperador do sacro império romano-germânico, do papa Paulo III (1468-1549), entre outros. Na pintura do MASP, o cardeal Cristoforo Madruzzo (1512-1578) foi retratado em pé e sem as vestes roxas características de sua elevada posição na cúria romana. Madruzzo era príncipe e bispo da cidade de Trento, e teve papel destacado nas negociações que levaram à escolha da cidade como sede do Concílio (1545-63), participando ativamente das discussões que deram início à Contrarreforma, resposta da Igreja católica à Reforma protestante. O retrato foi pintado nessa época. O relógio sobre a mesa, à esquerda, é um elemento comum nas representações de figuras políticas desse período, alusão à efemeridade e à fugacidade do tempo e do poder, que deve ser um estímulo para a prudência do soberano.

— Equipe curatorial MASP, 2017





De retorno de uma segunda estada em Augsburgo, em 1551, Tiziano retrata Cristoforo Madruzzo nos anos em que este é, em Trento – na qualidade de príncipe-bispo da cidade –, o anfitrião do grande Concílio de 1545-1563. O perfil histórico deste fundamental personagem da história política e eclesiástica da Europa do século XVI foi mais bem delineado por ocasião da exposição de 1993, em Trento, dedicada aos Madruzzo. Filho mais jovem de uma família aristocrática, a se destinar portanto à carreira eclesiástica, Cristoforo Madruzzo (1511-1578) estuda Direito em Pádua, onde em 1531-1532 recebe as ordens menores, e Jurisprudência em Bolonha (1532-1537), enquanto ocupa a posição de “procuratore della nazione germanica” (sua mãe, Eufemia Sporenberg, era alemã) e galga, paralelamente, com notória avidez, todas as dignidades clericais até o cardinalato, obtido com uma nomeação in pectore no consistório de 1542. Durante dois anos, 1556-1557, assume o cargo, politicamente delicado, de governador de Milão, em nome do Imperador. Defensor declarado dos interesses hispano-imperiais, Madruzzo tenta desempenhar um papel de mediador nas diferenças que opunham então a Igreja à causa espanhola, sendo esta talvez a razão pela qual, como cogita Robertson (1983, p. 227), não envergue aqui a indumentária cardinalícia. Em 1567, lega os títulostridentinos ao sobrinho Ludovico Madruzzo e morre em 1578, em Tívoli, hóspede do cardeal d’Este. O relógio, que ocupa uma posi- ção tão preponderante no Retrato do Cardeal Cristoforo Madruzzo (presente não raro na retratística tizianiana), acompanhou curio- samente os deslocamentos da obra e foi ainda visto por Cavalcaselle em 1877, na residência dos barões Salvadori. Objeto de diversas interpretações, ele deve simbolizar, como aventa Panofsky (1969), e sem prejuízo de eventuais significações mais pontuais ou circunstanciais engenhosamente repertoriadas por Camesasca (1987), um memento mori, uma advertência sobre a transitoriedade da glória e a necessidade da temperança. Como tal, é um lugar-comum da retratística veneziana e comparece, por exemplo, ainda num retrato de Paris Bordon, conservado no Masp. Segundo Wethey (1971), o quadro Retrato do Cardeal Cristoforo Madruzzo foi “ligeiramente reduzido em baixo e no lado direito”. A sucessão precisa dos proprietários da obra foi restabelecida por Camesasca (1987, p. 84), desde a própria residência do cardeal Madruzzo, o Castello del Buon Consiglio em Trento (1552-ante 1658), passando ao Palácio Roccabruna na mesma ci- dade (1682-após 1735), aos herdeiros dos novos proprietários, os barões Gaudenti della Torre, que a legam em 1855 aos barões Salvadori, os quais a vendem por volta de 1905 à Casa Trotti & Cia., de Paris, que a transfere a J. Stillman, cujos herdeiros levam-na a Nova York antes de 1907. Em 1942, o Madruzzo passa a pertencer a Mrs. Avery Rockfeller, que a vende à Galeria Knoedler, por intermédio da qual a obra é adquirida pelo Masp. O estado de conservação da obra foi avaliado de modo muito contrastante pelos estudiosos, de Cavalcaselle e Fogolari a Wethey e Camesasca. Embora severo em seu julgamento sobre um “desviante restauro” da obra ocorrido antes de 1907, Camesasca escreve em 1987 que “nenhum motivo faz duvidar da possibili- dade de recuperar o jogo refinadíssimo de pretos sobre pretos, do qual deveria aflorar boa parte da qualidade originária”. E, com efeito, após a restauração de que acaba de se beneficiar a obra (1992-1995), confiada aos cuidados de Andrea Rothe, da Getty Foundation, revela-se ela na sua mais plena e feliz visibilidade. Malgrado sua desfavorável situação conservativa anterior e sua localização descentrada, a obra foi sempre objeto de avaliações superlativas, desde Cavalcaselle que, no século passado, definia-a como “um dos retratos importantes da escola vêneta”, até Pallucchini que, em 1969, fala de “uma pasta cromática já digna de Renoir”, para concluir: “Jamais como nesta imagem Tiziano soube imprimir o senso de uma vida fluida e corrente, colhida em uma atitude, em um movimento, em um olhar; a personagem revive assim em uma inteireza física e espiritual. Nesse retrato de figura inteira, Tiziano mostra saber ambientar o modelo em uma nova dimensão temporal, captada mediante a perfeita aisance do seu meio pictórico, fluido e atmosférico a um só tempo”. A controvérsia sobre a data 1552 inscrita duas vezes no quadro, pretensamente incoerente em relação a uma imprecisa men- ção de Vasari e ao fato de o retratado não se apresentar em há- bito cardinalício (quando fora já investido de tal dignidade em 1552), suscitou diversas hipóteses de datações alternativas até 1542 (Pallucchini 1952-1953; Valcanover 1542), hoje aparentemente su- peradas, como se verifica nos estudos mais recentes do próprio Pallucchini (1969), de Wethey (1971) e de Camesasca (1987). A data 1552 é ainda confirmada pela idade declarada do cardeal, 39 anos (e não 38, como transcreve Pallucchini), pois é sabido que nascera em 5 de julho de 1512 (Vareschi, in Dal Prà 1993, p. 57). E sobretudo por suas características de estilo que, como foi já notado por Camesasca, aproximam-na do retrato de Filipe II, do Prado, de 1551.

— Autoria desconhecida, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).



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