MASP

Guido Reni (Ateliê)

Suicídio de Lucrécia, 1625-40

  • Autor:
    Guido Reni (Ateliê)
  • Dados biográficos:
  • Título:
    Suicídio de Lucrécia
  • Data da obra:
    1625-40
  • Técnica:
    Óleo sobre tela
  • Dimensões:
    113,5 x 90 x 4 cm
  • Aquisição:
    Doação Príncipe George Lubomirsky, 1958
  • Designação:
    Pintura
  • Número de inventário:
    MASP.00027
  • Créditos da fotografia:
    João Musa

TEXTOS


Por Juliana Guide
A imagem mostra uma obra feita por Guido Reni (1575-1642) e seu ateliê entre 1625 e 1642. Nela, vemos Lucrécia, esposa fiel e personagem da história de Roma Antiga. Ela acaba de ferir-se de morte com um punhal — ato que teria cometido em 509 a.C, após ser violada pelo filho do último rei de Roma. Os séculos 16 e 17 nos legaram muitas pinturas sobre a morte de Lucrécia. Só Guido Reni e seu ateliê são responsáveis por cerca de trinta que chegaram até nós, número que indica grande sucesso do tema no mercado de arte da época. Além de popular na pintura, Lucrécia era também protagonista no teatro: diversas tragédias contavam sua história. A personagem era vista como modelo de virtude, já que preferiu morrer a viver sob a sombra de ter sido violentada. Na Roma Antiga, o suicídio era considerado uma saída honrada para essa situação —ignorando-se o fato dela não ter culpa pela violência sofrida. No cristianismo, a percepção sobre o suicídio mudou, mas Lucrécia continuou sendo considerada exemplo de comportamento para esposas. No período em que a obra do MASP foi produzida, entre 1625 e 1640, muitas vezes pinturas sobre Lucrécia eram expostas nas coleções ao lado de telas sobre outras figuras femininas famosas, como Cleópatra ou Judite. Se posicionada ao lado de uma Cleópatra, o provável interesse era o contraste entre as duas mulheres célebres por sua morte autoinfligida: Lucrécia, levada ao ato extremo pela virtude, e Cleópatra, pelos vícios da luxúria e do orgulho.

— Juliana Guide, mestre História da Arte, Unicamp, 2021

Fonte: Instagram @masp 22.01.2021





Segundo os doadores, o príncipe George Lubomirsky e sua esposa, a baronesa Schummer-Rheinfelden, a obra Suicídio de Lucrécia provém das coleções do cardeal Mazzarino e encontrava-se em sua residência, hoje sede do Institut de France, quando foi danificada pelo fogo em 1660. Após 1815, a coleção rumou para o palácio de Molkerbastei, na Polônia, até sua dispersão parcial durante a Segunda Grande Guerra. A fonte literária fundamental da lenda de Lucrécia é Tito Lívio, História Romana, livro I, LVII-LX. Segundo o historiador, Lucrécia é filha de Spurio Lucrécio Tricipitino, provavelmente consul suectus em 509 a.C., e esposa de Lúcio Tarquínio Collatino, também ele presumivelmente cônsul no mesmo ano. Por sua beleza e virtude, Lucrécia suscita uma incontrolável paixão em Sexto Tarquínio – filho do rei de Roma, Tarquínio, o Soberbo, que se aproveita da situação de hóspede da casa de Lucrécia para violentá-la, ameaçando, caso resistisse, matá-la e deixar ao lado de seu cadáver um escravo degolado e nu, para acusá-la de tê- la surprendido em ignóbil adultério. Lucrécia, mortificada pela perda de sua honra, manda chamar seu pai e o marido, em viagem, obtendo deles o juramento de vingança antes de trespassar o coração com uma adaga. O suicídio de Lucrécia é o estopim de uma revolta popular que levará à derrubada dos Tarquínios e à instauração da República. Para além de suas ressonâncias políticas, alusivas ao direito da revolta libertária contra a tirania, a temática da “morte nobre” ou do suicídio por honra, particularmente cara ao neo-estoicismo em voga desde a segunda metade do século XVI, foi objeto de diversas controvérsias morais, teológicas e filosóficas, além de uma densa dramaturgia e de um sem-número de representações figurativas de personagens da história antiga (sobretudo romana), como Cleópatra, Catão de Utica, Pórcia, Sofonisba, Agripina, Arquimedes e Lucrécia. Desde o poema The Rape of Lucrece, de Shakespeare (1594), até a cantata homônima de Haendel, de 1706, o tema de Lucrécia conta-se entre os mais recorrentes nas artes do século XVII, e sobremaneira em Reni, em cujo ateliê nasceram nada menos que quinze versões (até hoje desconhecidas) da cena do suicídio de Lucrécia, além do exemplar do Masp (Gênova, coleção privada, e em Baccheschi 1971, ad indicem). Reni figura Lucrécia seja no momento em que está prestes a se suicidar, seja no momento em que já se apunhalou, mas em todo caso sempre após o estupro, talvez em uma espécie de decorosa reação ao costumeiro erotismo a que se havia prestado a cena desde Giulio Romano e Tiziano. Embora uma avaliação precisa de sua qualidade seja dificultada por seu estado de conservação, a obra do Masp, conquanto de qualidade elevada, parece claramente oriunda do ateliê do mestre. Ao publicá-la em 1971, Baccheschi não a inclui entre as obras seguras da mão do mestre. Nenhum dos originais ou variantes de ateliê conhecidos forneceram contudo o modelo da versão do Masp, que tampouco pode ser assimilada ao Suicídio de Cleópatra, quase tão abundantes no catálogo de Reni e em geral de composição similar. Do ponto de vista de sua datação, a obra não foge de qualquer maneira dos anos em que incidem a totalidade das versões renianas do tema, isto é, os anos de 1620-1640.

— Autoria desconhecida, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).



Pesquise
no Acervo

Filtre sua busca