MASP

Sandro Botticelli

Virgem com o Menino e são João Batista criança, 1490-1500

  • Autor:
    Sandro Botticelli
  • Dados biográficos:
    Florença, Itália, 1445-Florença, Itália ,1510
  • Título:
    Virgem com o Menino e são João Batista criança
  • Data da obra:
    1490-1500
  • Técnica:
    Têmpera sobre madeira
  • Dimensões:
    75,5 Ø x 4 cm
  • Aquisição:
    Doação dona Sinhá Junqueira, 1947
  • Designação:
    Pintura
  • Número de inventário:
    MASP.00009
  • Créditos da fotografia:
    João Musa

TEXTOS



O nome Botticelli deriva da palavra battiloro, aprendiz de ourives em italiano, primeira ocupação do artista em Florença. Estudou no ateliê de Filippo Lippi (1406-1469) até 1467, quando se associou a Andrea del Verrocchio (1435-1488) para atender às encomendas de pintura que recebia. Em 1470, abriu seu próprio ateliê, onde trabalhava com a colaboração de aprendizes, prática comum no período. Logo depois, alcançou a posição de mestre e vinculou-se ao mecenato dos Médici, importante família de banqueiros que patrocinou grande parte da produção artística e arquitetônica da cidade. A historiografia aponta a obra do MASP, Virgem com o Menino e são João Batista criança (1490-1500), como uma pintura feita pelo próprio Botticelli com alguns elementos executados pelos auxiliares de seu ateliê, como a figura de João Batista e a paisagem. A cena em formato circular possui várias características de Botticelli: olhares e gestos dos pés e das mãos apontando para várias direções, relações íntimas e harmoniosas entre as personagens, cores límpidas e contornos nítidos e precisos. A produção do artista foi bastante influenciada pela filosofia neoplatônica. A obra do MASP, no entanto, pertence à última fase da atividade do artista, influenciada pelos ideais religiosos de Girolamo Savonarola (1452-1498).

— Equipe curatorial MASP





Uma fotografia do tondo Virgem com o Menino e São João Batista Criança encontrava-se na fototeca Anderson, de Roma, número 41663, com uma atribuição a Botticelli. A questão da identicação das partes que, na obra, seriam da autoria direta de Botticelli e das que teriam sido executadas por auxiliares de ateliê mereceu uma análise circunstanciada de Roberto Longhi, em uma carta a P. M. Bardi de 20/6/1947, constante da documentação do museu, que é transcrita aqui quase na íntegra. Para Longhi, a execução da obra pode ser atribuída “em suas partes principais” a Botticelli. “De fato é sua a belíssima invenção que compõe auda ciosamente as guras no interior do tondo, liberando-se da elegante simetria da maneira de juventude e construindo, agora, não mais por arcamento de linhas exíveis, mas por segmentação de linhas radiais e cruzadas. São estes os modos de Botticelli no último decênio do século; e com eles se coadunam os detalhes do assento em ângulo (sobre o qual pousa, quase apoiado ilusionisticamente na moldura da pintura, o livro do ‘Magnicat’) e a intensicação patética do laço afetivo entre os dois sacros protagonistas. Nestas partes encontra-se portanto seguramente a mão do mestre; e tanto mais surpreende constatar que tenha ele abandonado a um discípulo, após o primeiro traço, seja a execução da paisagem (muito mais detalhada que as paisagens tipicamente suas), seja o São João menino. Nesta gura, o discípulo transpõe modos mais de Ghirlandaio que de Botticelli, a ponto de, inclusive pela fatura quase astiacciato (em baixo-relevo) do rosto, vir-se a suspeitar ser o discí- pulo executor destas partes aquele Bartolommeo di Giovanni que, após ter colaborado longamente com Ghirlandaio, passou para a órbita de Botticelli, de quem executou os desenhos para os cassoni Pucci e Tornabuoni, já no decênio de 1480-1490.” Antonino Santangelo emite um parecer similar, em expertise conservada na documentação do museu: “Uma recente limpeza tornou evidente as características estilísticas da pintura e pode-se agora reconhecer a intervenção direta de Botticelli, não apenas no desenho geral da obra, mas também na execução do grupo principal da obra Virgem com o Menino e São João Batista Criança, no qual o entrelaçamento livre e harmonioso das mãos e dos rostos, a mobilidade e a precisão do traço recordam obras pouco anteriores a 1500”. Para o estudioso, a gura acessória de São João menino e a paisagem do fundo devem-se a uma outra mão, “que mostra alguma anidade com a mais antiga produção de Ra­ae l lino de’ Carli”. Sem conhecer os pareceres de Longhi e de Santangelo, Boskovits (comunicação oral, fevereiro de 1996) é igualmente de opinião que, após uma adequada restauração, o grupo central da composição possa vir a se vericar autógrafo. Yashiro (1925, p. 247) identica em nossa obra uma versão de um tondo outrora apresentado em um leilão em 1886, em Paris. É possível repertoriar uma dezena de composições botticellianas, todas do último decênio do século, similares ao tondo do Masp, sendo a mais próxima a que se conserva no Sterling Clark Museum de Williamstown (Mass.), também ela de c. 1490 (Longhi, Gamba e Salvini), e autógrafa apenas no grupo principal (Mandel 1967, n. 109).

— Autoria desconhecida, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).




Por Renato Menezes
Nos últimos anos, a obra de Sandro Botticelli vem sendo submetida a uma profunda reavaliação, cujo efeito tem sido o de enfatizar o caráter decorativo de seu estilo. No século 16, na biografia que Giorgio Vasari (1511-1574) lhe dedicou, encontramos pistas importantes a esse respeito: introduzido à prática artística por meio da ourivesaria, arte de fabricar jóias e ornamentos com metais preciosos, Botticelli jamais perderia os cuidados elementares desta técnica. Seu desenho finíssimo, sinuoso, com traços que se organizam no espaço ora como arabescos ora como serpentinas, talvez seja o mais paradigmático do racionalismo gráfico articulado ao naturalismo clássico cultivado pelos artistas e celebrado pelos teóricos florentinos. A essa articulação se somará, mais tarde, o impacto exercido por Girolamo Savonarola (1452-1498), monge dominicano que instaura uma teocracia em Florença entre os anos de 1494 e 1498. A pintura do MASP, embora revisite um tema já trabalhado em duas obras do artista, é testemunho dessa fase final de sua carreira. Neste tondo, vemos a permanência de seu estilo decorativo: o traço longilíneo que envolve as figuras se inicia no contorno do rosto da Virgem, passa pelas articulações do corpo do menino Jesus, segue até os dedos compridos que o sustentam e se irradia nas dobras dos tecidos. Por outro lado, as cores sóbrias, a forma rebaixada dos semblantes das figuras e, sobretudo, a função que o livro aberto exerce sobre a tranquilidade devota dos personagens revelam o espírito de um artista já em idade avançada, perturbado entre a salvação por meio da fé e a punição dramática que ele praticara em obras do mesmo período.

— Renato Menezes, 2022



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