O nome Botticelli deriva da palavra battiloro, aprendiz de ourives em italiano, primeira ocupação do artista em Florença. Estudou no ateliê de Filippo Lippi (1406-1469) até 1467, quando se associou a Andrea del Verrocchio (1435-1488) para atender às encomendas
de pintura que recebia. Em 1470, abriu seu próprio ateliê, onde trabalhava com a colaboração de aprendizes, prática comum no período. Logo depois, alcançou a posição de mestre e vinculou-se ao mecenato dos Médici,
importante família de banqueiros que patrocinou grande parte da produção artística e arquitetônica da cidade. A historiografia aponta a obra do MASP,
Virgem com o Menino e são João Batista criança (1490-1500), como uma pintura feita pelo próprio Botticelli com alguns elementos executados pelos auxiliares de seu ateliê, como a figura de João Batista e a paisagem. A cena em formato circular possui várias
características de Botticelli: olhares e gestos dos pés e das mãos apontando para várias direções, relações íntimas e harmoniosas entre as personagens, cores límpidas e contornos nítidos e precisos. A produção do
artista foi bastante influenciada pela filosofia neoplatônica. A obra do MASP, no entanto, pertence à última fase da atividade do artista, influenciada pelos ideais religiosos de Girolamo Savonarola (1452-1498).
Uma fotografia do tondo Virgem com o Menino e São João Batista Criançaencontrava-se na fototeca Anderson, de Roma, número 41663, com uma atribuição a Botticelli. A questão da identicação das partes que, na obra, seriam da autoria direta de Botticelli e das que teriam sido executadas
por auxiliares de ateliê mereceu uma análise circunstanciada de Roberto Longhi, em uma carta a P. M. Bardi de 20/6/1947, constante da documentação do museu, que é transcrita aqui quase na íntegra. Para Longhi, a
execução da obra pode ser atribuída “em suas partes principais” a Botticelli. “De fato é sua a belíssima invenção que compõe auda ciosamente as guras no interior do tondo, liberando-se da elegante simetria da maneira
de juventude e construindo, agora, não mais por arcamento de linhas exíveis, mas por segmentação de linhas radiais e cruzadas. São estes os modos de Botticelli no último decênio do século; e com eles se coadunam os
detalhes do assento em ângulo (sobre o qual pousa, quase apoiado ilusionisticamente na moldura da pintura, o livro do ‘Magnicat’) e a intensicação patética do laço afetivo entre os dois sacros protagonistas. Nestas
partes encontra-se portanto seguramente a mão do mestre; e tanto mais surpreende constatar que tenha ele abandonado a um discípulo, após o primeiro traço, seja a execução da paisagem (muito mais detalhada que as
paisagens tipicamente suas), seja o São João menino. Nesta gura, o discípulo transpõe modos mais de Ghirlandaio que de Botticelli, a ponto de, inclusive pela fatura quase astiacciato (em baixo-relevo) do rosto,
vir-se a suspeitar ser o discí- pulo executor destas partes aquele Bartolommeo di Giovanni que, após ter colaborado longamente com Ghirlandaio, passou para a órbita de Botticelli, de quem executou os desenhos para os
cassoni Pucci e Tornabuoni, já no decênio de 1480-1490.”
Antonino Santangelo emite um parecer similar, em expertise conservada na documentação do museu: “Uma recente limpeza tornou evidente as características estilísticas da pintura e pode-se agora reconhecer a intervenção
direta de Botticelli, não apenas no desenho geral da obra, mas também na execução do grupo principal da obra
Virgem com o Menino e São João Batista Criança, no qual o entrelaçamento livre e harmonioso das mãos e dos rostos, a mobilidade e a precisão do traço recordam obras pouco anteriores a 1500”. Para o estudioso, a gura acessória de São João menino e a paisagem do
fundo devem-se a uma outra mão, “que mostra alguma anidade com a mais antiga produção de Raae l lino de’ Carli”. Sem conhecer os pareceres de Longhi e de Santangelo, Boskovits (comunicação oral, fevereiro de 1996) é
igualmente de opinião que, após uma adequada restauração, o grupo central da composição possa vir a se vericar autógrafo. Yashiro (1925, p. 247) identica em nossa obra uma versão de um tondo outrora apresentado em um
leilão em 1886, em Paris. É possível repertoriar uma dezena de composições botticellianas, todas do último decênio do século, similares ao tondo do Masp, sendo a mais próxima a que se conserva no Sterling Clark
Museum de Williamstown (Mass.), também ela de c. 1490 (Longhi, Gamba e Salvini), e autógrafa apenas no grupo principal (Mandel 1967, n. 109).