Maestro del Bigallo é o nome consolidado pela historiografia de arte italiana para identificar um pintor anônimo do século 13. Bigalloera o abrigo de peregrinos e viajantes mantido pela Compagnia Maggiore di S. Maria, órgão da Inquisição papal criado em 1244, em Florença. O nome também remete ao galo pintado pelo mesmo artista no crucifixo que se
tornou emblema da Compagnia. A obra do MASP revela a influência da cultura bizantina, que chegava à Itália do século 13 por meio das iluminuras — grafismos que ornamentavam os manuscritos medievais. A pintura
apresenta características típicas dessa cultura: composição com linhas rígidas, falta de profundidade, dureza na representação das figuras e uso de simbologias — como o lenço carregado pela figura feminina, que
remete ao vestuário cerimonial das imperatrizes bizantinas, e o halo arredondado na parte superior da obra. O aspecto gráfico das linhas que definem o drapeado das vestes é o responsável por dar certo volume e luz à
pintura. A peça pertencia ao casal Lina Bo (1914‑1992) e Pietro Maria Bardi (1900‑1999), arquiteta e diretor fundador do museu, e foi doada por Bardi ao MASP no aniversário de 45 anos do museu, em 1992,como homenagem
à memória de Lina.
Um ícone do século VI conservado no monastério de Santa Catarina, no Monte Sinai, de origem certamente síria (Talbot Rice 1963, p. 47; Camesasca 1987, p. 32), parece ser o primeiro exemplo conhecido desse tipo de
Theotokosou Hagia Maria(como o chamam os monofisistas desde o Concílio de 451), caracterizado pela superposição rigorosa de ambas as figuras em frontalidade absoluta. A cultura pictórica florentina entre os anos 20 e os anos 70 do século
XIII parece apreciar especialmente este modelo bizantino. Atestam-no, de fato, o grande mosaico da
Madona ao Tronono Batistério de Florença, datado de 1225, bem como trinta representações similares publicadas por Garrison em 1949 no seu Indexde pinturas italianas coevas sobre madeira. Inclui-se aí um grupo de cinco Madonas atribuídas ao Maestro del Bigallo, conservadas na coleção Acton de Florença, no Museu de Nantes, no Conservatório delle Montalve em
La Quiete (Florença), na igreja de Santa Maria in Bagnano e, em 1989, na Harari & Sohns Gallery de Londres. O exemplar do Masp ofereceria uma sexta ocorrência no catálogo do mestre, talvez a mais tardia, a se
considerar sua maior plasticidade e volumetria. O formato retangular com coroamento em arco, próprio a conferir proeminência à cabeça da figura, associar-se-ia originariamente ao motivo arquitetônico do lintel e
teria seu mais remoto exemplar, segundo Garrison (1949), em um relevo assírio do século VIII a.C. Embora nenhum exemplar bizantino tenha se conservado, a presença deste tipo é atestada em iluminuras que ornam
manuscritos do século XI. Também o motivo do lenço branco na mão da Virgem, tipicamente florentino, teria origem no lenço que faz parte do vestuário cerimonial da imperatriz bizantina, recorrente em várias insígnias
muito antigas em Roma (Sandberg-Vavalà 1929, p. 716).
Doada ao Masp por seu fundador, Pietro M. Bardi, em 1992,
Virgem em Majestade com o Menino e Dois Anjosfoi publicada por Garrison apenas em 1962, com a atribuição ao Maestro del Bigallo. Como é desde então consensual entre os estudiosos, a obra parece ser um produto tardio, mas muito intenso, com seu grafismo ágil e
sua inegável monumentalidade, do ateliê do Maestro del Bigallo, já então prestes a se eclipsar sob o impacto das primeiras obras de Cimabue. O que desde logo chama a atenção nessa pintura, em que pese sua incipiente
plasticidade, é a redução do drapeado à linha coriscante, com a qual o pintor interpreta de modo rigorosamente gráfico seu sistema de pregas. Observe-se como o delineamento das formas corpóreas sob os panos – por
exemplo, o ângulo formado pelo braço dobrado da Virgem –, é função apenas da sobreposição de configurações rítmico-lineares diversas. O corpo subjacente nada comunica de orgânico à atividade linear, não comprometendo
seu caráter abstrato. O grafismo, aqui, é pura luz. Ele tensiona a superfície, percorrendo-a como um espectro luminoso em um campo de forças.