Na primeira parte do curso, “O terreiro que o Brasil inventou”, participantes irão debater a formação das comunidades tradicionais de terreiro a partir das principais matrizes que as geraram: as filosofias e cosmologias africanas em diálogo/tensão com as práticas indígenas e o catolicismo popular. Serão privilegiados os dois modelos rituais mais conhecidos nacionalmente destas comunidades, o candomblé e a umbanda, apresentando-os em termos de sistemas simbólicos e valores civilizatórios.
Na segunda parte, “O Brasil que o terreiro criou”, enfoque para o papel destas cosmologias na formação da cultura nacional enfatizando alguns aspectos: música, dança, festas populares, literatura, cinema, artes plásticas etc.
Na terceira parte (ou conclusão), “Brasil, Iluminai vossos terreiros”, destaque para a contradição entre a exaltação desses símbolos étnico-raciais na cultura brasileira e a repressão e/ou invisibilização das mãos negras que os produzem.
Do ponto de vista das contribuições pretendidas, espera-se: 1) formular uma perspectiva crítica de conceitos como sincretismo, mestiçagem etc.; 2) testar a aplicabilidade de uma teoria das trocas circulares simbólicas enfatizando o lugar das mediações e da agência africana e afro-brasileira; 3) evidenciar as potencialidades (força ou axé) dessa agência como ação e reação contra o processo de dominação, intolerância religiosa e racismo que insiste em retirar o protagonismo dos produtores negros de bens culturais no Brasil, evidenciando estruturas de segregação e desigualdade social.
IMPORTANTE
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e cada aula ficará disponível aos alunos durante cinco dias após a realização da mesma. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
I – O terreiro que o Brasil inventou
Aula 1 – 7.8.2023 e Aula 2 – 9.8.2023
Das matrizes e princípios instituintes aos modelos e estruturas instituídas
Apresentação do quadro geral do curso e debate sobre o universo social e religioso do Brasil colonial, período importante para se entender a formação dos conflitos e diálogos entre os sistemas cosmológicos que entraram em contato (africanos, indígenas e católico) a partir do projeto colonial português no qual a escravidão ocupou papel central. A “colonialidade” que se seguiu no período republicano marca até hoje a percepção desses sistemas cosmológicos. Pretende-se oferecer uma visão alternativa à ideia de sincretismo (mistura) e teoria do disfarce que retiram o poder imaginativo das agências africanas-brasileiras na formação dos terreiros e no controle dos sistemas simbólicos. Destaque para o fato de que, nos terreiros, originaram-se as experiências coletivas “metaétnicas” revertendo os efeitos da escravidão, como a desterritorialização, perda dos laços familiares e desumanização. Também neles se produziram formas de sociabilidade porosa e integrativa (metaforizadas pelo uso das cortinas de mariôs desfiados nas entradas e janelas) por meio da convivência entre pessoas pertencentes a diferentes grupos étnico-raciais, estratos socioeconômicos e orientações sexuais.
Aula 3 – 14.8.2023 e Aula 4 – 16.8.2023
Candomblés e as muitas Áfricas no Brasil e umbandas e os muitos Brasis da África
Debate sobre os valores civilizatórios presentes nos terreiros dos dois modelos mais conhecidos nacionalmente dos sistemas religiosos e filosóficos de matriz africana: o candomblé e a umbanda. Serão abordadas estrutura ritual, cosmologia, cosmogonias, liturgia, organização social etc. presentes nestes sistemas.
II – O Brasil que o terreiro criou
Aula 5 – 21.8.2023
Sagrado em festa na rua
Debate sobre etos e valores elaborados nos terreiros e que extravasam seus muros articulando redes institucionais que rompem noções de sagrado/profano por meio de manifestações como afoxés, maracatus, jongos, escolas de samba, blocos afros etc. Essas manifestações rizomáticas, cujo terreiro pode ser o centro ou um ponto de articulação, marcam as musicalidades, sociabilidades e corporalidades negras presentes na cultura brasileira.
Aula 6 – 23.8.2023
Dos pontos riscados aos pontos escritos: religião e literatura
Debate sobre a “oralitura”, uma espécie de oralidade singular (escrita ou inscrita) presente nos terreiros por meio de pontos riscados, pinturas, marcas corporais, símbolos gráficos sagrados (como as marcas dos odus no opon-ifá), e a relação dessas experiências com os escritos etnográficos e literários ficcionais.
Aula 7 – 28.8.2023
Imagens do sagrado: religião, fotografia e cinema
Debate sobre os modos pelos quais as artes audiovisuais (fotografia e cinema) se articulam com os elementos visuais e sonoros dos sistemas religiosos afro-brasileiros, impactando-os em termos de silêncio/som, visível/invisível, público/privado e segredo/revelação.
Aula 8 – 30.8.2023 e Aula 9 – 4.9.2023
Artes do axé - Terreiros e museus
Debate sobre arte religiosa afro-brasileira produzida nos terreiros e sua relação com o campo museológico e artístico no passado (iconografia religiosa como evidência desqualificadora de seu produtor) e no presente (arte de influência religiosa como crítica estética, denúncia social e valorização da mão negra afro-brasileira).
III – Brasil, iluminai vossos terreiros
Aula 10 – 6.9.2023
Religião, símbolo e poder afro-brasileiro na formação da cultura nacional
Debate sobre a relação entre símbolos étnicos negros e cultura nacional enfocando o terreiro como produtor de sistemas simbólicos e sociais de múltiplas potencialidades (força ou axé) para a ação e reação das populações negras contra práticas de dominação, intolerância religiosa e racismo que insistem em retirar o protagonismo dos seus principais produtores reproduzindo estruturas de segregação e desigualdade social.
Vagner Gonçalves da Silva é doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutor pela Harvard University (fellow no W.E.B. Du Bois Institute for African and African American Research) e pós-doutor pela City University of New York (Graduate Center) onde também foi professor visitante como bolsista do Fulbright Scholar Program. Atualmente é professor, pesquisador e orientador do Departamento de Antropologia, do Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social e do Programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da USP. Dedica-se à produção de conhecimentos junto às populações afro-brasileiras, enfocando temas como religiosidade (candomblé, umbanda, intolerância religiosa), relações entre religião, patrimônio e cultura brasileira (festas populares, música, capoeira, literatura, cinema etc.). Publicou e editou, entre outros livros: Candomblé e Umbanda; Orixás da Metrópole; O antropólogo e sua magia; Intolerância religiosa; Memória Afro-Brasileira (coleção em 3 volumes); Exu - guardião da casa do futuro; Exu - um Deus afro-atlântico no Brasil e Terreiros tombados em São Paulo; Laudos e reflexões sobre a patrimonialização de bens culturais afro-brasileiros. É autor de ensaios para catálogos de arte, como Brésil, Lhéritage africain e Eshu, the divine trickster. Foi membro do comitê de implantação do Museu Afro Brasil, São Paulo, onde foi curador da exposição Divina Inspiração.