De origem humilde, Léger foi aprendiz em um escritório de arquitetura antes de estudar na École des Arts Décoratifs e na Académie Julian, em Paris. Participou do período de maior efervescência cultural de
Montparnasse, onde se beneficiou da proximidade de artistas como Robert Delaunay (1885-1941) e Marc Chagall (1887-1985), além do poeta Blaise Cendrars (1887-1961) que, em 1919, lhe dedicou o poema
Construction. O cubismo de Léger foi marcado por linhas fortes que delineiam os objetos, preenchidos por áreas monocromáticas e pelo sombreamento que lhes confere volume. Esses fundamentos foram difundidos pelos seus textos,
entre eles,
L’esthétique de la machine[A estética da máquina] (1923). Além de suas incursões no teatro, Léger produziu, em 1924, oBallet mécanique [Balé mecânico], primeiro filme abstrato da história do cinema, dirigido em parceria com Dudley Murphy (1897-1968), com a colaboração de Man Ray (1890‑1976).
A compoteira de peras(1923), obra do MASP, dialoga com suas experiências nessas várias linguagens, ao referir-se a temas do cotidiano com um tratamento geométrico, dinâmico, que dilui, na vida comum, a estética e as cores da indústria.
Os contornos grossos e as áreas de cor uniformes e sombreadas são influências reconhecíveis na obra da brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973), sua aluna em Paris nos anos 1920.
Por Luciano Migliaccio e Luiz Marques
A etiqueta no verso do quadro A Compoteira de Perasremete ao inventário da Galeria de Léonce Rosenberg, onde a obra foi catalogada: “7959, Mars 1923, 20/3/23, Léger, Le compotier aux poires, 81 x 100, ph. n 471, 1500 f ”. O inventário cita um outro quadro
ligeiramente maior (116 x 81 cm) com o mesmo título, hoje conservado no Musée d’Art Moderne de Villeneuve-d’Ascq, ao norte da França. Há ainda uma outra variante (65 x 50 cm) citada por Bauquier, sob o número 351, em
seu catálogo
raisonnéda obra de Léger.
O ano de 1923 foi importante para Léger. Além de sua participação, juntamente com o escultor húngaro Csaky, no
Salon des Indépendants, o artista escreveu um artigo notável: A estética da máquina: o objeto fabricado, o artesão e o artista, dedicado ao poeta russo Maiakovski, publicado na revista Querschnitt, em Berlim, e posteriormente, em janeiro de 1924, no Bulletin de L’Effort Moderne. Desenhou os cenários e os figurinos para La Création du Monde de Blaise Cendrars, com música de Darius Milhaud; realizou o cenário do laboratório do engenheiro para o filme L’inhumainede Marcel L’Herbier. Léger, que já descobrira, durante a guerra, as possibilidades estéticas da máquina, interessou-se pelo cinema apreendendo a poesia dos objetos fragmentados, estudando-os em várias
naturezas-mortas nos anos de 1922-1923, até chegar à realização do filme
Ballet Mécanique, em 1924. Os objetos adquirem tamanho monumental e tornam o espaço do quadro dinâmico, ritmado por geometrias coloridas (Andral 1998).
A tela do Masp fazia parte da coleção de Olívia Guedes Penteado, animadora do modernismo em São Paulo, que adquiriu o quadro em Paris, em 1923, talvez orientada pelo amigo e poeta Blaise Cendrars, que esteve várias
vezes no Brasil entre 1924 e 1934, estabelecendo relações com o grupo dos modernistas. A aquisição pode também ter sido uma sugestão da pintora Tarsila do Amaral, grande admiradora da obra de Léger. Segundo Aguilar
(1991, p. 89), “a maneira de criar profundidade sem abandonar o plano já está implícita nos
Contrastes de Formas, de 1912, que tanto impressionaria o cubo-futurista Malévitch”.