Por Felipe Martinez
Um jogo de visibilidade e invisibilidade. Assim é possível descrever A rodade Toulouse-Lautrec. Da coxia, assistimos ao espetáculo no qual uma atriz dança cancan com um vestido em forma de roda. Em frente ao palco, um personagem escondido em uma pequena concha acústica. Trata-se do ponto,
profissional que dava uma mãozinha para quem estivesse em cena, assoprando uma fala ou a letra de uma música. Ele vê aquilo que não vemos–mas enxergamos o que nem ele e nem a plateia podem ver. Apesar de mostrar uma
dançarina no palco, Toulouse-Lautrec nem sempre apresentava suas modelos desse modo. Na maioria das vezes, eram cenas de espera, de ensaio, de momentos fora do palco, nos quais essas personagens não apareciam em seu
papel profissional. Assim, o artista nos mostra um lado menos glamuroso da Belle-Époque – período de grande crescimento econômico e inovações tecnológicas, mas também de desigualdades, imperialismo e colonização.
Toulouse-Lautrec conviveu com as maiores estrelas do período, como Jane Avril, La Goulue (Louise Weber) e Sarah Bernhardt. A personagem de
A rodajá foi identificada como a atriz americana Loïle Fuller, mas é mais provável que seja uma representação genérica de uma dançarina de cancan, uma vez que a pintura foi feita para ilustrar um artigo do crítico francês
Gustave Geffroy.
A roda me traz boas memórias da mostra Toulouse-Lautrec em vermelho, quando ministrei um curso sobre o artista com três turmas esgotadas em poucos dias.
Os dados sobre a modelo de A Bailarina Loïe Fuller Vista dos Bastidores – A Rodaforam reunidos por Camesasca (1987, p. 232). Nascida em Chicago em 1862, Loïe Fuller foi celebrada em Nova York e Paris como dançarina, conferencista e
show-woman, ao longo de uma carreira iniciada como menina-prodígio aos cinco anos de idade. Entre suas mais interessantes coreografias, contava-se uma dança com vestes japonesas e véus, agitados em meio a efeitos de luzes
policrômicas, com sugestivos efeitos de arabescos. Em 1892, Loïe Fuller é consagrada no Folies-Bergère de Paris por um espetáculo então considerado por J. Lorrain, articulista do
L’Écho de Paris, uma espécie de “apoteose da idade moderna” (apudCamesasca 1987, p. 232). O declínio da artista é tão rápido quanto sua ascensão, e oito anos mais tarde achava-se ela, sempre em Paris, na miséria e no ostracismo.
Camesasca e Bardi (1979, p. 104) foram os primeiros a identificar a figura, a partir da inscrição na base do cartão. A obra “faz parte de uma série de onze pinturas, as primeiras cinco, das quais a nossa incluída,
foram diversamente reproduzidas no
Figaro Illustréde julho de 1893 para ilustrar um artigo de G. Geffroy sobre o ‘plaisir à Paris’; as seis remanescentes apareceram no número de fevereiro de 1894 do mesmo jornal, acompanhando um outro artigo de Geffroy” (Camesasca
1987, p. 232). No mesmo ano em que Lautrec realizou o guache do Masp, ele dedica à artista a litografia
Miss Loïe Fuller (36,8 x 26,8 cm), reproduzida em 6o exemplares, cada um dos quais resultante de uma combinação única de várias cores, realçadas com aquarela e pó de ouro e prata, além de um óleo, conservado em Albi, Musée
Toulouse-Lautrec. Loïe não se interessa em conhecer o artista, preferindo o fotógrafo L. H. Lucas que, no mesmo período, retrata-a como uma provocante vedete, envolta apenas em um véu transparente, provavelmente
alusivo a uma de suas coreografias (Camesasca, 1987, p. 230).
Mais do que nunca, aqui Lautrec prenuncia o expressionismo. De certa maneira já é um artista expressionista no senso mais estrito do termo, por sua singular capacidade de redução emocional do mundo do cabaré à forma
e à imagem da roda, operação formal e expressiva, ao mesmo tempo metonímica e metafórica.