A cena em Adoração dos Reis Magostem sua fonte canônica apenas em Mateus 2, 1-12. Embora alusivo às profecias (Isaías 60, 6; Salmos, 72, 10), o relato evangélico, contudo, não fornece a maior parte dos elementos xados pela lenda e por sua iconograa,
e notadamente a identidade dos reis magos, Gaspar, Baltasar e Melquior, sobre a qual não há consenso nas fontes. Casta sacerdotal dos medos, ou mais restritivamente, sacerdotes do culto masdeísta pré-zoroastriano
dispersos pela Anatólia através da Caldéia, após as repressões religiosas de Xerxes, no século vi, os reis magos pertencem, segundo Heródoto, a uma das seis tribos dos medos, xada ao norte do atual Irã. Coube
sobretudo a Plutarco, em De Isis et Osiris, a xação do caráter demonolátricoda sabedoria dos magos medos. O redator do texto de Mateus designava evidentemente nessas três personagens uma forma de reconhecimento, por
parte da alta sapiência caldaico-mas deísta, do signicado do advento do “rei dos Judeus”, embora, como bem nota Cardini (1993, p. 14), a má reputação dos magusaioi, em particular entre os cristãos após o afrontamento
entre Pedro e Simão, o que talvez explique por que o episódio narrado pelo primeiro evangelista não é retomado pelos demais. Assim, foi a literatura extracanônica, e sobretudo o Proto-Evangelho atribuído a Tiago
Menor, (“irmão” de Cristo) e seu derivado, o Pseudo-Mateus, que alimentaram textualmente essa iconograa, abundante já desde os afrescos das catacumbas de Priscila, no século iii (Cardini 1993, pp. 16-19).
Por suas dimensões e iconograa, a cena integrava originariamente, com toda a probabilidade, uma predella de um retábulo. Baseando-se provavelmente em certos reexos de cultura hispânica presentes em especial nos tipos
sionômicos das guras principais, Bardi, desde 1947, atribuía esta graciosa têmpera ao pintor orentino-valenciano-toledano de nais do século XIV e início do século XV batizado por Sirén, em 1904, com o sugestivo nome
de Maestro del Bambino Vispo e, desde Bellosi (1966), identicado como Gherardo Starnina (Florença, 1354-ante 1413). A atribuição de nosso fragmento de predella a este artista foi rejeitada de modo peremptórico tanto
por Bellosi (comunicação oral, 18/1/1996) quanto por Boskovits (comunicação oral, 22/1/1996) e deve certamente ser abandonada.
Que o Maestro del Bambino Vispo seja Starnina, como considera a quase totalidade da crítica hoje, explica bem a componente propriamente orentina deste artista, já notada por diversos estudiosos e recentemente por
Waadenoijen (1983, p. 61), e inexistente em nosso fragmento de predella. De resto, as duas representações propostas por Starnina do tema da Adoração dos Magos, hoje nos museus de Kansas City e de Douai, dão claro
testemunho de uma abordagem muito mais desenvolta e, em todo caso, de uma sensibilidade em relação ao tema já claramente quatrocentista, enquanto a obra do Masp pertence ainda ao terceiro quartel do Trezentos, como o
atesta, para além de suas características de estilo, as vestes do “pajem” à esquerda da composição, inusual após aqueles anos (Bellosi 1974).
A atribuição desta Adoração dos Magos a Serani por Boskovits, em 1975, foi conrmada agora pelo estudioso, que, na já mencionada comunicação oral, mantém todavia uma pequena margem de incerteza a respeito.