Banhista enxugando a perna direita ( c.1910) e Banhista enxugando o braço direito (grande nu sentado)(1912) pertencem ao período da obra tardia de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919). Em 1881, após pintar algumas de suas telas mais conhecidas do impressionismo, Renoir passou uma temporada na Itália a fim de ter um
contato mais intenso com obras dos grandes artistas do renascimento como Rafael (1483-1520) e Ticiano (1488-1576). O impacto dessa experiência foi tamanho que, de volta a Paris, Renoir começou a reavaliar seu próprio
trabalho, afastando-se da pintura impressionista que o havia tornado tão reconhecido no meio artístico. A tela
As grandes banhistas(1884-1887) é considerada um marco desse momento de sua carreira. Banhistas foram um tema explorado pelo artista desde os primeiros anos de seu trabalho – a exemplo de outra obra da coleção do MASP,
A banhista e o cão griffon - Lise à beira do Sena(1870) – e se tornaram o principal motivo de sua pintura até a sua morte em 1917. Debilitado por uma fortíssima artrite reumatóide, tendo que usar os pincéis atados às mãos para pintar, Renoir mudou-se para uma casa
no campo. Além de diversos retratos de sua família, lá produziu uma enorme quantidade de nus femininos como esse, muito influenciado pelas imagens altamente decorativas e pictóricas de Peter-Paul Rubens (1577-1640).
Ainda que considerada por muitos críticos como uma virada conservadora, esse foi o período em que Renoir se sentia mais realizado com a sua própria pintura, em diálogo e reverência àqueles que considerava os grandes
mestres dessa linguagem.
Banhista enxugando o braço direitoé característica da obra tardia de Renoir: em tons pastéis, sem contornos firmes, o fundo desfocado mistura suas cores nos limites da pele. O MASP possui 12 pinturas e uma escultura do artista, cobrindo toda sua
carreira.
Por Felipe Chaimovich
Renoir nasceu na cidade de Limoges, em 1841, forte centro manufatureiro de porcelanas pintadas, indo morar em Paris ainda criança. Aos treze anos, o pai de Renoir empregou-o como pintor de porcelanas na firma Lévy
Frères, onde era remunerado por peça pintada; Renoir pintava xícaras e pratos com imagens de buquês de flores, recebendo cinco centavos por dúzia, e, posteriormente, com retratos, recebendo seis tostões por cada
retrato de Maria Antonieta. Desde o primeiro emprego, Renoir trabalhou com uma técnica de pintura cuja remuneração aumentava proporcionalmente à velocidade de execução: quanto mais peças acabadas, maior o ganho. Em
seguida, Renoir trabalhou como pintor de leques, passando a copiar sobretudo os quadros de Boucher, Lancret e Watteau. Ele passou a frequentar diariamente o museu do Louvre na hora do almoço, visando copiar sobretudo
os quadros que devia reproduzir em série nos leques e outros quadros dos mesmos autores, familiarizando-se com suas técnicas e com suas composições; em 1860, registrou-se como copista no Louvre.
O período inicial de trabalho como pintor manufatureiro marcou o desenvolvimento posterior de Renoir como pintor de quadros. O repertório da pintura francesa do século dezoito foi considerado por ele até o final de
sua vida como o melhor que o país havia produzido. Dentre as pinturas copiadas por Renoir no Louvre, em sua juventude, a
Diana saindo do banho, de Boucher, teve uma importância singular, como declarou a seu biógrafo Vollard: “O primeiro quadro que acendeu minha imaginação foi Diana saindo do Banho, de Boucher. E me apeguei a ele durante toda a minha vida, como sempre se faz com um primeiro amor” (Amboise Vollard, Renoir. São Paulo: Unimarco, 2002, p. 19). Esse quadro foi pintado por Boucher em 1742 e participou do Salão da Academia Real de Pintura e Escultura. Boucher foi particularmente favorecido por Madame de Pompadour, amante
declarada de Luis XV e depois Primeira Amiga do rei, a qual retratou em encomendas oficiais.
As banhistas pintadas por Renoir podem, assim, ser entendidas como revisões da
Diana saindo do banho, de Boucher. No caso da BanhistaEnxugando o Braço Direito (Grande nu sentado), a figura feminina está de costas, virada em direção ao braço direito, ao contrário da Diana saindo do banho, de Boucher, que está de frente e com o braço esquerdo em primeiro plano.
O apego ao quadro de Boucher declarado por Renoir gerou uma série de variações sobre o nu feminino clássico. O tema da banhista originou a representação do nu feminino, considerando-se a hipótese de que a primeira
representação do gênero foi a Afrodite da Praxíteles, esculpida no século IV a.C, por encomenda da cidade de Kos, rejeitada pelos encomendantes e finalmente adquirida pela cidade de Knidos. Afrodite, deusa do amor, é
retratada ao se preparar para um banho ritual, despida e segurando suas vestes com uma das mãos, enquanto encobre para seu órgão genital, fonte de seu poder, com a outra, num gesto ambíguo de pudor e de poder. Embora
a estátua original não tenha sobrevivido, foi extensamente copiada pelos romanos, chegando sua imagem, desse modo, aos séculos seguintes. A Afrodite de Praxíteles é o modelo da estátua romana de Vênus pertencente à
coleção do cardeal Mazarino, primeiro ministro de Luis XIII e de Luis XIV, assim como da estátua romana de Vênus pertencente à coleção Medici, cuja cópia fazia parte da coleção real francesa desde o tempo de Luis
XIV.
Portanto, além de indicar a filiação à pintura de Boucher, a
Banhista Enxugando o Braço Direito (Grande nu sentado)também indica a preocupação de Renoir em consolidar padrões clássicos para sua pintura impressionista. Embora a origem do impressionismo sejam as pinturas rápidas ao ar livre, caracterizadas pela destreza da execução
veloz, Renoir busca aproximar-se dos padrões da antiguidade clássica, conferindo à arte atual um sentido de continuidade dos cânones consagrados.
Por Luciano Migliaccio
Inspirado em Tiziano e em Rubens, Renoir pintou uma série de nus femininos em Cagnes-sur-Mer, ao sul da França (Adriani 1996, p. 298). Para Camesasca (1989, p. 172), a modelo de
Banhista Enxugando o Braço Direito – Grande Nu Sentadoseria Gabrielle Renard, prima da esposa do pintor e que foi governanta da família de 1894, quando estava com 15 anos, até seu casamento, em 1915. Ela foi a modelo preferida de Renoir durante esse período, porém os
nus do artista possuem sempre caracteres idealizados, que não pertecem a uma pessoa particular. As referências à anatomia opulenta e ao esplendor cromático de Rubens e de Tiziano reforçam essa vontade de estilização
da realidade (Lucie-Smith 1984, p. 14) e aproximam-no, nesse aspecto, aos nus taitianos de Gauguin (Camesasca).
O volume da figura e a vegetação do fundo estabelecem um diálogo de formas e cores puras, longe da tradição do naturalismo. Por volta de 1918, num depoimento dado a Gimpel (1963, pp. 44-45), Renoir afirma: “Nas
minhas pinturas, a paisagem é apenas um acessório, e tento combiná-la com a figura”. De fato, ele combina dados visuais tomados de diferentes ângulos e cria distorções que lembram as convenções figurativas da antiga
arte egípcia e as obras de Cézanne, antecipando assim alguns desdobramentos da arte da década de 1920. O tratamento das superfícies e a técnica da pincelada lembram a última época de Delacroix, como também a
influência de Diaz e Monticelli, pela sobreposição de toques de cores puras em ritmos ondulados.