MASP

Anna Bella Geiger

Brasil nativo/Brasil alienígena, 1976-77

  • Autor:
    Anna Bella Geiger
  • Dados biográficos:
    Rio de Janeiro, Brasil, 1933
  • Título:
    Brasil nativo/Brasil alienígena
  • Data da obra:
    1976-77
  • Técnica:
    18 cartões-postais, impressão sobre papel
  • Dimensões:
    10 x 15 cm
  • Aquisição:
    Doação da artista, 2019
  • Designação:
    Cartão postal
  • Número de inventário:
    MASP.10977
  • Créditos da fotografia:
    Eduardo Ortega

TEXTOS



Pioneira na experimentação de linguagens na arte, Anna Bella Geiger em Brasil nativo/ Brasil alienígena se apropria de nove fotografias jornalísticas e antropológicas de indígenas brasileiros impressas em postais. De modo irônico e intencionalmente falseado, a artista reproduz estas cenas e organiza-as em pares contrapostos, apresentados em cartelas de plástico, como souvenirs para turistas vendidos em bancas de jornal. Nessa provocação, Geiger desestabiliza estereótipos ligados à ideia do brasileiro e, ainda, à própria definição da arte, aqui conduzida como apropriação, performance e conceito — afastada do artesanal. Ao inscrever imagens do "nativo" na arte e ironizar a cultura urbana "alienígena" (de que a própria artista faz parte), desafia-se os próprios princípios da cultura de massa, cujas imagens desvalorizam a diferença. Em contraposição ao enquadramento de indígenas diante de uma oca, a artista posa com mulheres de sua família e agregadas, em sua varanda, com as construções de um bairro carioca ao fundo. Geiger repete em cada postal gestos das culturas originárias, mas em trajes urbanos, misturados com cocares, arcos e flechas. Indiretamente, porém, a artista menciona algo que as imagens não revelam, como ao portar uma sacola do supermercado Mar e Terra, palavras-chave na história colonial, que tocam, ainda, na dilacerante disputa territorial no Brasil. Se uma índia sorri diante do espelho, a artista contempla seu reflexo num lago de jardim, como Narciso, incapaz de amar o diverso — capturado pela própria imagem refletida na água. O jogo de semelhanças e diferenças, ainda que caricato, nos ilude brevemente. O mesmo acontece quando acreditamos que postais revelam o âmago da cultura tribal amazônica. Nestes registros talvez vejamos, porém, apenas o reflexo de nossa própria face.

— Luiza Interlenghi, professora do Departamento de Artes, PUC-RJ, 2020

Fonte: Instagram @masp 16.10.2020




Por Fernanda Lopes
Em sete décadas de atuação como artista e professora, Anna Bella Geiger é um nome fundamental para a arte contemporânea brasileira, com uma produção dedicada em boa parte à discutir criticamente questões ainda muito atuais, como a história e a realidade social do país, incluindo nosso passado colonial, a ideia de identidade nacional, e a representação dos povos indígenas, muitas vezes marcada por uma perspectiva autobiográfica. Na fotoperformance Brasil nativo/Brasil alienígena vemos nove pares de imagens: de um lado, uma coleção de cartões-postais comprados pela artista em uma banca de jornal mostra cenas cotidianas e rituais de indígenas de diferentes etnias. Do outro lado, a artista reencena ela mesma, com filhas e amigas, as mesmas situações, no Rio de Janeiro. Colocadas lado a lado, as imagens criam ao mesmo tempo situações que oscilam entre o espelhamento e a oposição. Talvez nesse sentido uma das duplas mais importantes seja a que a índia se vê refletida em um espelho, enquanto a artista observa seu reflexo em um lago—uma referência à descoberta/vaidade do mito de Narciso. A ideia de um “Brasil nativo”—genuíno, puro e exótico—foi muito exaltada entre os anos 1960 e 1980, no discurso de brasilidade da Ditadura Civil-Militar ao mesmo tempo em que na prática a população indígena era, mais uma vez, ameaçada pelo Estado. É dentro desse contexto que a obra de Geiger, e de outros artistas nesse período, se apresenta como um tensionamento entre imagem e prática que percorre a história de construção da ideia de brasilidade. Completa o trabalho a epígrafe, escrita à mão, abaixo da sequência de imagens: “…com o meu despreparo como homem primitivo”.

— Fernanda Lopes, 2022



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