Pioneira na experimentação de linguagens na arte, Anna Bella Geiger em Brasil nativo/ Brasil alienígenase apropria de nove fotografias jornalísticas e antropológicas de indígenas brasileiros impressas em postais. De modo irônico e intencionalmente falseado, a artista reproduz estas cenas e organiza-as em pares
contrapostos, apresentados em cartelas de plástico, como
souvenirspara turistas vendidos em bancas de jornal. Nessa provocação, Geiger desestabiliza estereótipos ligados à ideia do brasileiro e, ainda, à própria definição da arte, aqui conduzida como apropriação, performance e
conceito — afastada do artesanal. Ao inscrever imagens do "nativo" na arte e ironizar a cultura urbana "alienígena" (de que a própria artista faz parte), desafia-se os próprios princípios da
cultura de massa, cujas imagens desvalorizam a diferença. Em contraposição ao enquadramento de indígenas diante de uma oca, a artista posa com mulheres de sua família e agregadas, em sua varanda, com as construções
de um bairro carioca ao fundo. Geiger repete em cada postal gestos das culturas originárias, mas em trajes urbanos, misturados com cocares, arcos e flechas. Indiretamente, porém, a artista menciona algo que as
imagens não revelam, como ao portar uma sacola do supermercado Mar e Terra, palavras-chave na história colonial, que tocam, ainda, na dilacerante disputa territorial no Brasil. Se uma índia sorri diante do espelho, a
artista contempla seu reflexo num lago de jardim, como Narciso, incapaz de amar o diverso — capturado pela própria imagem refletida na água. O jogo de semelhanças e diferenças, ainda que caricato, nos ilude
brevemente. O mesmo acontece quando acreditamos que postais revelam o âmago da cultura tribal amazônica. Nestes registros talvez vejamos, porém, apenas o reflexo de nossa própria face.
Por Luiza Interlenghi