Uma delicada e comovenete cena de interior doméstico para esse período de recolhimento. O alagoano Rosalvo Ribeiro (1865-1915) vivia na França quando pintou
Interior com duas crianças (1899). Formado pela Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, o artista recebeu uma bolsa de viagem a Paris em 1888. Lá, o pintor frequentou a Académie Julien, por onde também passaram outros artistas
brasileiros como Benedito Calixto e Eliseu Visconti. Na época, era comum que os artistas que aqui se destacavam recebessem bolsas como essa a fim de aprimorarem seus conhecimentos técnicos na Europa. Chamamos de arte
acadêmica esse modelo estético ligado às Academias, que, na pintura, se traduzia especialmente em termos técnicos e na representação de temas tradicionais como marcos históricos, passagens religiosas, paisagens,
retratos, naturezas-mortas. A pintura de gênero, que apresentava cenas da vida cotidiana, também era um assunto frequente. Normalmente situadas em ambientes domésticos, as cenas corriqueiras representadas nesse tipo
de pintura se diferenciam pelos detalhes – no caso de
Interior com duas crianças, Ribeiro ilustra com delicadeza e detalhamento os objetos acima da lareira: um crucifixo, uma lamparina, o retrato de um santo, o reflexo nos jarros de vidro. Nos simples gestos dos personagens na cena, a menina
observa quieta o garoto brincar com o que parece ser uma miniatura de barco a vela. Virado de costas, não vemos seu rosto. Em contraste, em meio à penumbra, o que nos cativa são os olhos atentos da menina.
Mais do que revelar o interesse do artista pelo revivaldos interiores obscuros holandeses, à maneira de Ostade e outros, que haviam sensibilizado muitos pintores franceses do século XIX, a obra do autor pode ser situada no âmbito preciso da voga, ocorrida na passagem do
século, de retratar interiores arcaicos de casas da Bretanha. Muito próximo deste belo interior de Rosalvo é, por exemplo, o
Intérieur Bretonde Germain David-Nillet (1861-1932), conservado no Musée du Petit Palais, em Paris (Inv. 302).