Por Giancarlo Hannud
A carreira de Eliseu Visconti (1866-1944) teve início ainda nos últimos anos do império, sob forte influência dos grandes mestres da Academia de Belas Artes, e prolongou-se até sua morte. Sua vasta produção nos revela um espírito artístico irrequieto, interessado nas possibilidades expressivas abertas por movimentos então pouco discutidos pelo ambiente local, como o pré-rafaelismo, o divisionismo e o simbolismo. Respeitado por seus contemporâneos mais tradicionalistas e pelos inovadores, foi encarregado de importantes encomendas como o monumental pano de boca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Se, por um lado, produziu obras celebratórias do regime de Getúlio Vargas como o Hino à Bandeira, por outro, deixou vasta produção de caráter menos oficioso, como A convalescente e Nu, ambas do acervo do MASP, e Menina com ventarola e Torso de menina. Nessas imagens de jovens em autocontemplação, de crianças desnudas em torpor e de cenas domésticas paira, por detrás dos tons calmos de sua pintura, a sugestão de algo mais perverso. Produzidas num momento chave da virada para o século 20, quando os processos mais desconhecidos do funcionamento humano começavam a ser revelados, elas nos abrem uma janela às múltiplas formas assumidas pela violência no período que ficou conhecido como a bélle époque, assumindo particular ressonância num país como o Brasil, distante poucos anos da escravidão (abolida em 1888), e que, como foi dito à época, buscava civilizar-se.
— Giancarlo Hannud, diretor do Museu Lasar Segall, 2020
A obra Nu é evidentemente inacabada. Ela reflete ao mesmo tempo um profundo conhecimento da pintura italiana do Oitocentos e o erotismo dos nus dos Salons do final do século em Paris, mantendo-se em todo caso absolutamente alheia ao variado campo do nu impressionista, de Degas a Renoir. Seria, ao contrário, mais interessante aproximá-la do ambiente italiano que se firma nas grandes exposições internacionais da Secessione romana de 1913-1916, e notadamente de artistas italianos como Alfredo Pratti e Adolfo Busi, pintores de uma geração sucessiva à de Visconti.
— Autoria desconhecida, 1998