Por Talita Trizoli
Ao trabalhar com a questão das mulheres artistas nas artes visuais, um lugar comum no percurso de pesquisa é constatar que, quando milagrosamente as obras de autoria feminina integram coleções, elas pouco ou nunca saem dos acervos para exibição – mas quando saem, efetivamente desencadeiam uma surpresa ao público, quase como um gentil tapa na cara que constata sua existência. Esse foi meu caso quando em 2015 vi a obra Nu feminino de Jeannette Priolli, exibida na mostra Arte do Brasil no século 20. É uma pintura que chama a atenção justamente pela dissonância de composição e tema para época, 1972: uma mulher que se assemelha à artista está sentada nua em meio a uma vegetação psicodélica, enquanto suas carnes se abrem como duas fendas/feridas/bocas com ares selvagens e famintos, e os seios rizomatizam sua potência de desejo. Esse tipo de pintura, com ares eróticos, era pouco usual no período, ainda mais produzido por uma mulher, e só integra o conjunto do acervo do MASP por conta da individual da artista em 1975, a convite do diretor-fundador do museu, Pietro Maria Bardi. A importância dessa obra em salvaguarda, juntamente a outras peças da artista, ganham uma significância maior quando, em 2019, um incêndio destrói seu ateliê em Ipanema, queimando tanto sua produção recente quanto a de juventude, além de ter levado sua filha, a artista Anna Gemma Priolli Magalhães. Depois desse trágico acidente, não fossem essas peças no MASP, não haveria vestígios de obras dessa época, e a memória da produção de Priolli estaria reduzida a cinzas.
— Talita Trizoli, doutora em Educação, USP, 2020