A atraente personalidade de Desboutin é largamente analisada e documentada sobretudo nos estudos e ensaios de Silvestre (1876), Janin (1922) e Bailly-Herzberg (1972). Oriundo de uma aristocrática família, escritor,
dramaturgo, pintor e gravador, Marcellin Desboutin (1823-1902) inicia-se na pintura como Manet, isto é, no ateliê de Thomas Couture. Tal como seu futuro condiscípulo, sua educação é complementada por um
grand tourpela Itália, onde estabelece residência, a partir de 1854, em uma villa florentina, e de onde retornaria somente em 1872, aparentemente em decorrência de um súbito esgotamento dos próprios recursos financeiros após a
guerra franco-prussiana. De Florença, Desboutin traz um drama em versos,
Maurice de Saxe, encenado na Comédie Française em 1870. O sucesso abre caminho para duas outras peças, encenadas na mesma casa, Le Cardinal Duboise Madame Roland. Mas é sobretudo como pintor e gravador de retratos que Desboutin torna-se conhecido. Apesar de uma ausência de dezoito anos de Paris, o artista não enfrenta obstáculo em sua inserção nos círculos do Café Guerbois.
Aparentemente, a transferência de Manet e seus amigos para o Café Nouvelle Athène deve-se à preferência de Desboutin. É nesse café que Desboutin posa em 1876 para Degas, ao lado da atriz Ellen Andrée, para o famoso
quadro
L’absinthe, hoje no Musée d’Orsay (Camesasca 1987, p. 72).
O
Artista – Retrato de Desboutiné rejeitado no Salonde 1875, juntamente com outra obra de Manet, hoje na Fundação Barnes, não apenas por causa de Meissonier, que fora asperamente criticado por Manet e que se encontrava então entre os quinze membros do júri, mas como
resultado de uma quase unânime condenação, contrastada apenas pelos votos de Jean-Jacques Henner e de Léon Bonnat. Manet decide, como sempre, expor as obras rejeitadas em seu próprio ateliê na rue de
Saint-Pétersbourg, não sem granjear um considerável sucesso de crítica e de público. O convite ao
vernissagetrazia a seguinte divisa: “Faire vrai et laisser dire”. Surgem neste momento críticas muito positivas ao Retrato de Desboutin, entre as quais as de Castagnary e de Silvestre. São deste último as seguintes considerações: “M. Manet a, de l’avis de tout le monde, peint des morceaux d’une incontestable maestria, et l’un de ses deux tableaux,
le
Portrait, en contient un, le grand lévrier qui boit, que Vélasques n’eût pas renié”. Castagnary, por sua vez, atacou sobretudo Bouguereau, que dominava então o júri do
Salon: “Il (Manet) occupe dans l’art contemporain une place autrement grande que M. Bouguereau, par exemple, que je vois parmi les membres du jury. (...) Son portrait de cette année, ce portrait de M. Desboutin, que vous
lui avez refusé, eût été une des puissantes toiles du Salon. Mais le succès du
Bon Bock(1873, Philadelphia Museum of Art) vous avait alarmés”.
Não há unanimidade quanto ao significado do objeto, um pequeno saco, que o retratado segura. Manet retrata Desboutin no momento em que o artista voltava seu interesse para uma técnica caída em desuso desde Rembrandt,
a ponta-seca, com a qual Desboutin inicia uma atividade retratística que lhe conferirá uma certa celebridade. Provavelmente, como bem o sugerem Darragon (1985, p. 85), Moffet (1983, p. 372) e Camesasca (1986, p. 76),
Desboutin encarna, em seu misto de pobreza e altivez, os ideais imaginados no
Chef-d’oeuvre inconnu de Balzac e pode ser assim aproximado ao Ator Trágicoda Washington National Gallery e ao Filósofo do Chicago Art Institute. A relação proposta parece das mais pertinentes e é possível acrescentar que, em certa medida, os três retratos dos anos 1865-1875 remetem à
tradição da iconografia neo-estóica do século XVII, na qual a figura do
clochardsubstitui o mísero sábio do Seiscentos, plena de conotações morais e filosóficas. Desboutin foi objeto de outros retratos executados pelos companheiros do Café e de uma aquarela com as iniciais E. M., conservada no
Fogg Art Museum de Cambridge (Mass.), e que é considerada por Rouart e Wildenstein como preparatória para a tela do Masp, malgrado as diferenças significativas entre ambas (1970, II, p. 170, n. 474).