Filho do pintor Hans Holbein, o Velho (1465-1524), Hans Holbein, o Jovem iniciou sua formação no ateliê do pai, trabalhando com o seu irmão Ambrosius na Basileia (1516-17) e em Lucerna (1517-19), na Suíça. Nessa época, ele conheceu o humanista Erasmo de Roterdã (1466-1536), a quem retratou várias vezes e para quem ilustrou o clássico Elogio da loucura (1511). As primeiras obras do jovem pintor revelam também o estudo das obras renascentistas na Itália setentrional, em particular as de Leonardo da Vinci (1452-1519) e Andrea Mantegna (circa 1431-1506). Holbein é conhecido como um dos mestres do retrato no renascimento, mas se tornou também célebre como gravador e desenhista de vitrais e de joias. Recomendado por Erasmo ao filósofo Thomas More (1478-1535), Holbein esteve na Inglaterra uma primeira vez entre 1526 e 1528, onde se estabeleceu definitivamente em 1531 e se tornou retratista da realeza. O poeta Henry Howard, conde de Surrey foi pintado nos últimos anos da atividade do artista. Henry Howard (1517-1547) é considerado um dos grandes poetas ingleses do renascimento por ter desenvolvido a forma do soneto adotada por William Shakespeare (1564-1616) e por ter introduzido os modelos da lírica de Francesco Petrarca (1304-1374). Durante os anos de conflito entre Henrique VIII e Roma, a situação de sua família, cuja posição era de grande prestígio na corte, o levou a ser acusado de traição e ser executado aos 31 anos.
— Equipe curatorial MASP, 2017
Nascido em Hudson, Hertfordshire, em 1517, Henry Howard, conde de Surrey, condado situado a sudoeste de Londres, é o primeiro da famosa linhagem dos condes de Surrey, à qual pertencem os condes de Arundel, centrais na história do colecionismo inglês no século XVII. Mais que pelos feitos e pelas dramáticas vicissitudes que lhe acarretam suas alianças nobiliárquicas, é pela obra de poeta que Surrey faz-se presente na história do Renascimento na Inglaterra, pois, ao lado de Sir Thomas Wyat (1503-1542), seu reconhecido mestre, introduziu em seu país Petrarca, bem como os estilos e a métrica da poesia humanista italiana, iniciando assim a grande era da poesia elisabetana. Além de ter traduzido Certain Bookes of Virgiles Aenaeis (isto é, os livros II e IV da Eneida de Virgílio) em “blank verses”, os famosos decassílabos não rimados da poesia dramática e épica inglesas de que ele é supostamente o criador, Surrey foi o primeiro a desenvolver a forma soneto na Inglaterra, utilizada em seguida por Shakespeare. Suas afinidades e sua erudição em relação à cultura italiana, por vezes mediada por Fontainebleau, é atestada pelos italianismos de Mountsurrey, a mansão por ele construída em Norfolk e destruída dois anos após sua morte.
Filho de Lord Thomas Howard, conde de Arundel e Surrey, um dos maiores colecionistas de Holbein (Chamberlain 1913, II, p. 64), Henry vê-se outorgado o título de Conde de Surrey em 1524, quando seu pai, primo de Henrique vIII, torna-se o 30 duque de Norfolk, título mais alto da nobreza inglesa (Hearn 1995, p. 51). Eram desde logo particularmente estreitos seus vínculos com o rei, sua família e a corte. Ainda criança, entre 1530 e 1532, anos em que se desenhava a crise entre Henrique VIII e Clemente VII, Henry viveu em Windsor com o pupilo de seu pai, Henry Fitzroy (1519-1536), filho bastardo de Henrique VIII com Elisabeth Blount e desde 1525 duque de Richmond. Em 1532, Surrey e Richmond acompanham Henrique VIII em sua viagem à França, onde o retratado passa onze meses em companhia dos filhos de Francisco I. Ao seu retorno à Inglaterra, negocia-se um casamento cruzado entre as Casas Howard e Tudor: a irmã de Henry casa-se com o duque de Richmond e decide-se o casamento do próprio Henry com Mary Tudor, filha de Henrique vIII e Catarina de Aragão. Mas o casamento não se consuma, e Henry deve finalmente casar-se com Lady Frances de Vere, então com 14 anos, filha do duque de Oxford, com quem passará a viver somente a partir de 1535. Entre 1533 e 1535 consuma-se a ruptura de Henrique VIII com Roma, e a constante proximidade de Henry Howard com a católica Mary Tudor vale-lhe uma imagem suspeita por parte da corte do rei. Entre 1537 e 1539, Henry Howard permanece detido em Windsor, injustamente acusado de haver favorecido de maneira secreta a rebelião católica de 1536. O quinto casamento de Henrique VIII com a prima de Henry, Catherine Howard, executada em 1542, reforçou enormemente sua situação na corte, e Henry serve o rei na campanha da Escócia em 1542, na França e na Flandres, entre 1543 e 1544, obtendo o título de marechal-de-campo. De retorno à Inglaterra, após uma derrota em Saint-Étienne, em 1546, às vésperas da morte de Henrique VIII, a posição de Henry é comprometida por seus tradicionais inimigos, particularmente pelos Seymours, que já o haviam acusado de papismo em 1536. A desgraça eclode pela acusação de Thomas Seymour, tio de Eduardo VI, de que os Howard ameaçavam a posição dos Seymour no que se refere ao direito de regência de Eduardo VI, então com apenas dez anos. Sob a alegação pretextual de haver aquartelado suas tropas ao lado das do rei, seu direito, Surrey foi julgado por conspiração para afastar do trono Eduardo VI e apoderar-se da Coroa, e executado na torre de Londres aos 31 anos de idade. Era apenas o primeiro golpe inflingido à liderança que os Howard, condes de Surrey e Arundel, exerciam sobre a aristocracia. Em 1572 e 1595, sob o subseqüente reinado de Elisabeth, Thomas Howard, 40 duque de Norfolk, e Philip, conde de Arundel, tiveram sorte similar, enquanto o filho deste último, o grande colecionista de esculturas e manuscritos, e mecenas incomparável de Van Dyck, Thomas Howard, 140 conde de Arundel, verá o prestígio dos Arundel restaurado sob os Stuart, cuja queda em 1640 implicará contudo seu definitivo afastamento do poder e da Inglaterra.
As poesias de Henry Howard, escritas em sua maior parte durante os anos de confinamento em Windsor, foram publicadas postumamente em 1557. Como a “Laura” de Petrarca, Surrey escreve versos em honra de sua anônima “Geraldine”, talvez pertencente à nobre família dos Fitzgerald, da Irlanda, pois, como indica o poeta: “fostered she was with milk of Irish breast”.
Surrey é conhecido não apenas pelo retrato do Masp, mas também por um extraordinário retrato de corpo inteiro, de um pintor anônimo, provavelmente oriundo de Fontainebleau e datável dos mesmos anos que o retrato do Masp (Hearn 1995, pp. 50-52). Em 1533, o próprio Holbein pinta um primeiro retrato (perdido) de Surrey com sua esposa, Frances de Vere, do qual se conservam dois desenhos preparatórios em Windsor (Parker, W. Dr. 17, 18) e um estudo, considerado original por Parker e que dataria dos anos 1535-1542. O retrato do Masp representa Surrey com a idade de 25 anos, isto é, em 1542, portanto, às vésperas ou imediatamente após suas campanhas da Escócia, quando o poeta desfrutava uma incomparável posição na corte de Henrique VIII, malgrado a decapitação de sua bela prima, Catherine Howard, em 13 de fevereiro daquele ano. O retrato do Masp – O Poeta Henry Howard, Conde de Surrey – foi gravado por Wenzel Hollar entre 1637 e 1645, anos durante os quais o grande gravador tcheco (1607-1677) reside em Londres, sob a proteção de Thomas Howard, conde de Arundel (Parthey, n. 1509). Até a Segunda Guerra Mundial, o retrato era conhecido pelos estudiosos apenas pela gravura de Hollar, que também comparece ao fundo de uma miniatura representando o mesmo conde Arundel e sua família, executada em 1643 ou imediatamente após por Philip Fruytiers (1610-1666), segundo um modelo de Van Dyck. No Inventário de 1655 dos Arundel, sob o número 39, lê-se efetivamente: “Ritratto de Henrico Howard, Conte de Surrey”.
Trata-se de um dos últimos retratos de Holbein, que deveria morrer no máximo um ano depois, e um dos mais típicos da objetividade extrema de seu último estilo de retratista, em consonância, como salienta Camesasca (1987, p. 94), com o ideal de reserva e impassibilidade da aristocracia inglesa e de sua retratística. Holbein urde um calculado jogo entre os triângulos ovais do rosto, do corpo e das mãos, que contrastam e dialogam entre si, jogo abstrato que ao mesmo tempo confere à cabeça do retratado uma luminosa presença. Um tal partido formal havia já sido adotado, segundo observam Bätschmann e Griene (1997, p. 192), no retrato de Cristina da Dinamarca, de 1538, na National Gallery de Londres, pintado para que Henrique VIII pudesse escolher sua nova esposa: “The geometry of the face, seen in frontal position, is slightly disturbed by the three-quarters view of her gown. Here Holbein successfully applied a formula that is most conspicious in his portrait of 1542 of the poet Henry Howard, Earl of Surrey. The unusual shape of the head (...) is accentuated with great skill, producing a startling pictorial effect”.
— Autoria desconhecida, 1998