Por Frans Grijzenhout
O acervo do Museu de Arte de São Paulo conta com três retratos do famoso pintor holandês Frans Hals (1582/83-1666). Conhecemos a identidade do retratado graças ao brasão que (posteriormente) foi pintado na superfície
do retrato. O homem é Andries van Hoorn (ou van der Horn), em um chapéu escuro, uma gola de renda no pescoço e mãos com luvas segurando um bastão, talvez em referência às suas atividades como oficial responsável pela
milícia da cidade. Hals pintou esse quadro e seu pingente em 1683, certamente para celebrar o segundo casamento de Hoorn, naquele ano, com Maria Pieters Olycan, dama de uma família de fabricantes de cerveja e de
administradores públicos com grande influência na cidade de Haarlem, na República Holandesa. Hals adornou a mulher de aparência ambiguamente modesta com um bordado luxuoso, um broche precioso, um leque e uma pulseira
de pérolas, parcialmente pintados com suas pinceladas características, belas e soltas.
A terceira pintura de Frans Hals no MASP é comumente chamada de “Retrato de um oficial”. A data é ilegível (1631? 1637?) e a indicação da idade do homem inscrita na tela também não é clara. Ambas as inscrições foram
adulteradas ao longo dos anos. Um cuidadoso e recente estudo das inscrições sob luz infravermelha e ultravioleta levou à conclusão de que 1631 é o ano mais provável da produção do quadro. Isso parece ser confirmado
pelo formato particular da gola nos ombros do homem, que é também encontrada em outros retratos do início da década de 1630. Em relação à idade do retratado, as margens de incerteza são muito mais amplas: a inscrição
pode ser lida como 56, 55 ou 52 anos. Um resultado mais definitivo apenas pode ser obtido após a eliminação total do verniz, o estudo das camadas de pintura sob microscópio e a remoção das camadas de sobrepintura.
O senhor no retrato usa um grande chapéu que cobre quase toda a largura da pintura, enquanto o seu cotovelo e punho, segurando um bastão, parecem estar sobressalentes. O rosto do homem é redondo e seu olhar em nossa
direção parece descomplicado. Ele veste uma camisa de cetim branco e fino (
wambuis, em holandês). Esse tipo de camisa, cujas mangas belamente adornadas com punhos em renda aparecem por baixo de coletes de couro (kolder, em holandês) nos retratos holandeses desse período, era, em geral, vestida por militares. Por cima, o homem veste uma placa de metal (ringkraag, em holandês) cobrindo seu peito e ombros. Em contraste, esses elementos militares estão parcialmente cobertos pela elegante gola de bordado com pontas duplas esculpidas
à jour. De maneira geral, o retrato tem uma aparência desconcertantemente direta e despretensiosa. Quem poderia ser esse homem? Já em 1974, a arquivista de Amsterdã, Isabella van Eeghen, sugeriu conectar o “Retrato de um
oficial” no MASP com a menção de “um retrato do velho capitão Soop, feito por Hals”, que consta no inventário de bens de Willem Schrijver, falecido em Amsterdã em 1661. Até agora, sua modesta sugestão, quase feita de
passagem, continua despercebida nos documentos de história da arte sobre Hals. No entanto, Van Eeghen estava provavelmente certa, conforme pretendo demostrar a seguir.
Jan Hendricksz Soop, “o velho capitão”, ao qual se refere o inventário de 1661, tinha, de fato, 52 anos de idade no início de 1631. Ele nasceu em 1578 em Amsterdã, o segundo filho de um vendedor de leite, manteiga e
outros laticínios. Sua família mantinha muitos vínculos com a cidade próxima de Haarlem: a mãe de Soop nasceu em Haarlem e seu irmão mais velho, o acadêmico Petrus Scriverius, viveu ali e foi retratado por Hals.
Entre 1601 e 1631, Soop teve um ateliê em um dos canais de Amsterdã, onde eram produzidos vidros de luxo de alta qualidade. Em 1628, foi nomeado capitão de um regimento de mercenários para manter a ordem pública da
cidade. Vem daí sua descrição como capitão no inventário de seu sobrinho Willem Schrijver. Além da possível idade do homem no retrato, sua roupa sugere especificamente a identificação do retrato do MASP como “o velho
capitão Soop”. Como dissemos, o homem retratado usa uma vestimenta conhecida como kolder, uma peça predominantemente usada por soldados. Seu couro grosso e amarelado oferecia uma primeira proteção contra ataques
inimigos com espada. No entanto, não servia para proteger contra uma bala de pistola, muito menos uma bala de rifle. Originalmente usado como proteção funcional em campo de batalha, o
kolderse tornou popular em retratos holandeses a partir da década de 1620. Essa peça de vestuário militar bastante rígida e sem mangas era vestida por vários modelos do sexo masculino, em geral, com uma camisa
elegantemente alfaiatada (
jerkin) e um ringkraagde metal, coberto com uma gola plana de renda, assim como no retrato de Hals que está em São Paulo. Encontramos a mesma combinação em alguns oficiais dos retratos militares de Hals, como em
Oficiais da Milícia de São Jorge, de 1627. Sabemos que alguns pintores mantinham um koldernos seus ateliês como um acessório regular para seus retratos, mas nesse caso particular parece que não foi necessário. Em 1657, ao fazer o inventário de bens do falecido Floris Soop, filho mais velho do capitão
Soop, o notário encontrou em um armário, chamado
capiteinskamer, ou seja, o cômodo no qual os bens do velho capitão eram guardados, um “antigo terno de cetim branco” e um “jerkinde couro”, tal qual o homem no retrato de Hals veste.
O status militar do homem é mais uma vez salientado pelo bastão ou vara que ele segura em sua mão direita. Hals usa acessórios desse tipo de forma esparsa, mas, quando os inclui, o acessório diz muito como atributo.
Uma vara na mão nos retratos de Hals sugere, em geral, uma posição militar. Por exemplo, em 1635, Hals retratou o capitão Pieter Hasselaer na mesma posição torcida e informal, com o cotovelo direito sobressaindo-se
na direção do observador da pintura, a mão esquerda aberta e um bastão de comando na mão direita. Outro exemplo similar pode ser encontrado no belo retrato de Hals de Pieter van den Broecke, de 1633, que hoje faz
parte da coleção Iveagh Bequest, da Kenwood House, em Londres.
Portanto, há várias boas razões para confirmar a sugestão de Isabella van Eeghen, feita em 1974: a idade de 52 anos de Jan Hendricksz Soop em 1631 está de acordo com uma das possíveis leituras das inscrições no
quadro exposto em São Paulo, e a vestimenta do homem no retrato é, sem dúvida, a de um oficial militar, tal como Soop o era. Não há outros retratos de Hals que se encaixem tão bem com os dados biográficos referentes
a Soop. Além disso, a roupa que o homem veste no retrato parece ter sido mantida no armário dos filhos do capitão Soop após sua morte.
No época de sua morte, em 1638, três filhos de Jan Hendricksz Soop ainda estavam vivos. Todos eram solteiros e viviam juntos na chamada “Casa de Vidro” do pai em Amsterdã. O mais velho, Jan Scoop (1602-1655), seguiu
os passos do pai e se tornou capitão de uma milícia na mesma cidade. Ser chamado de “o velho Capitão Soop” nas fontes escritas da época era provavelmente uma tentativa de distinguir pai e filho. O caçula, Pieter,
nascido em 1609, faleceu em 1649. O filho do meio, Floris Soop (1604-1657), teve algum renome como tocador de alaúde e, por um período curto de tempo, foi um dos regentes do teatro de Amsterdã.
Hals também pintou os retratos dos três filhos, pois estes estão mencionados no inventário de Willem Schrijver de 1661. Os quatro retratos também constam nos documentos do testamento de Floris Soop, após sua morte em
1657, com mais de uma centena de outros trabalhos de arte – incluindo o retrato de Floris Soop como porta-bandeira, feito por Rembrandt, que hoje se encontra no Metropolitan Museum, em Nova York ‒, três violas da
gamba, um alaúde, itens de vidro de grande valor e outros pertences, entre os quais os itens de roupa guardados no quarto do capitão, conforme mencionado anteriormente.
Não sabemos quais retratos de Hals, provavelmente feitos na mesma época do retrato do “velho capitão Soop”, ou seja, no início da década de 1630, podem ser identificados como os retratos de seus filhos. Recentemente,
sugeri o reconhecimento deles em três pequenos painéis (24,5 x 19,5 cm) produzidos por volta da mesma época. Dois deles agora estão em Dresden e o terceiro no museu Mauritshuis, em Haia. Não conheço nenhuma outra
série de três homens jovens na obra documentada de Frans Hals que se encaixe à descrição dos irmãos Soop tão bem quanto esses painéis. Sua composição também aparenta estar conectada ao retrato do “velho capitão
Soop”. No entanto, um antigo arquivista do arquivo da cidade de Amsterdã, Bas Dudok van Heel, alertou-me para o fato de que lembrava-se de ter visto um documento, há muitos anos, que se referia a três outros irmãos,
Nachtglas, retratados por Frans Hals, que tinham mais ou menos as mesmas idades dos irmãos Soop. Existe uma cópia do século dezoito de um dos painéis no museu em Haia que conta com uma inscrição que diz “Pieter
Jacobsz Nagtglas”. Portanto, a busca pela identidade dos três modelos nesses retratos, como em vários outros retratos da Era de Ouro holandesa, continua.
A obra Oficial Sentado retrata um oficial ou suboficial não identificado, muito provavelmente de uma milícia de Haarlem, como a dos arcabuzeiros de Santo Adriano, à qual pertencia também Andries van Hoorn, modelo do outro retrato de Hals,
no Masp. A data à direita, originalmente considerada 1637, conforme atesta a documentação do museu, revelou-se ser de 1631, após uma limpeza efetuada antes de 1988. A superposição de datas, assim como o caráter
rarefeito da matéria, não deixa de suscitar alguma interrogação sobre a real condição da obra, empobrecida provavelmente por uma limpeza excessiva, embora não seja descartável a hipótese de que não tenha sido
terminada. Malgrado a precariedade de todo juízo sobre uma obra com visibilidade tão incerta, é interessante observar que a data de 1631 parece de qualquer modo convir melhor. O caráter mais expeditivo e quebradiço
da pincelada, as formas mais esboçadas, as tonalidades mais surdas e mais ton-sur-ton com que o pintor constrói a figura, aproximam a obra do Masp de
Menina Pescadora (coleção privada, Nova York) que Slive (1989, n. 35) data de 1630-1632. Entretanto, a obra requer exames mais detidos que forneçam subsídios para as respostas das questões aqui levantadas.