A vida de Corot foi marcada por uma intensa produção e por viagens que alimentaram sua pintura, em constante transformação e sem adesão rígida a qualquer estilo específico. O MASP possui cinco obras do artista: três
retratos, uma paisagem e uma natureza-morta. Em
Cigana com bandolim(1874), retrato da soprano sueca Kristina Nilsson (1843-1921), os ocres e vermelhos revelam uma sobriedade calculada. O cuidado com a cor é também a tônica da obra
Rosas num copo(1874), em que a transparência do copo e a variação entre pedaços diluídos e maciços de tinta criam a sensação de umidade. O fundo uniforme destaca a cor de cada pétala. As linhas vertical e horizontal e o copo
deslocado do centro dão um aspecto casual e intimista para a imagem, como se ela fosse o recorte de uma distração. É uma das três únicas pinturas de flores do artista.
Paisagem com camponesa(1861) tem uma gradação de azuis entre o céu e as colinas ao fundo, semelhante à do verde do pasto e das plantas no centro do quadro. A divisão horizontal marca um espelhamento tanto na cor quanto na composição: o
terreno declina na mesma medida em que a linha azul da paisagem se levanta. A árvore ao centro conecta os dois planos, enquanto a camponesa representa o trabalho como um elemento constitutivo dessa paisagem.
Por Luciano Migliaccio
Corot realizou pouquíssimas pinturas de flores, não mais que três, pelo que se sabe. São como pequenas jóias em sua produção. A primeira delas, o artista terminou em 1871, para seu futuro biógrafo Robaut (Robaut,
1905, n. 2154), e as outras duas, em 1874, uma das quais –
Rosas num Copo– se encontra no Masp. Sterling (1952, p. 85) aproxima-as das pinturas dos impressionistas, embora suas tonalidades luminosas estejam nos antípodas dos esplendores de Monet ou de Renoir. Devido à “penumbra doméstica”
(Sterling,
ibid.), Corot parece render-se a uma espécie de vibrante ternura, oriunda de um delicado distanciamento (Leymarie 1979, p. 158). O quadro do Masp e o outro quadro de pinturas de flores que se encontra em Londres, na
Hodgkin Collection, diferem entre si apenas pela presença de uma caixa para tabaco, revelando em que medida Corot é seduzido pela umidade das pétalas que faz variar os efeitos da luz. Centra-se neles de tal forma que
se tornam o tema da pintura, tratando-os com toques luminosos que variam de acordo com a penumbra. A rosa vermelha pulsa no espaço dando-lhe volume, as mais claras curvam-se extenuadas, enquanto os botões brancos
erguem-se como pontas de lança. Nestas obras-primas de Corot, a herança mais nobre de Chardin e de Liotard, pequenas coisas que falam aos olhos e ao coração, é entregue às mãos de Giorgio Morandi.
Em 1874, Corot, que era um viajante incansável, foi para L’Isle-Adam, Ville d’Avray, Douai, Béthune e, entre as primeiras duas etapas, deteve-se em Coubron, onde possuía um ateliê, e onde passou o mês de junho, época
em que datou as
Rosas num Copo. O artista doou a obra a um certo Sr. Berthelier, que a guardou a vida toda. Seu filho apôs à moldura a seguinte inscrição: “Presente de Corot para o meu pai”. Bazin (1951, n. 21) sugere que a data (traçada com o
cabo de um pincel diretamente na cor), que não era usual em Corot, se refira ao dia onomástico do pintor, 24 de junho, e que teria sido o último antes de sua morte. Se o destinatário da homenagem for, como é
provável, o pintor Jean-Marie Berthelier de Lyon, que durante os anos de 1866 a 1874 pintou flores e frutas em Paris, o gesto de Corot terá tido um significado especial e muito comovente.