Por Jessica Varrichio
Wanda Pimentel participou das icônicas aulas de Ivan Serpa no MAM-Rio que impulsionou a experimentação estética da arte brasileira a partir dos anos 50 com o movimento Neoconcreto. Desde então, a sua produção pop construtiva criou um universo anguloso, fragmentário, de cores primárias em que domina a temática doméstica e feminina. No quadro Sem título (1968), do acervo do MASP, observamos as típicas pernas imersas em uma composição de cores complementares e linhas bem marcadas que sugerem a arquitetura de uma sala de estar. Nessa obra especificamente há tanta intersecção entre sujeito e objeto que a mesa pode ser vista como uma saia ou o corpo toma características inanimadas de mesa. As cores chapadas, a bidimensionalidade e a despersonalização podem dar a sensação de restrição, porém o elemento central dessa pintura é a caixa de fósforo que ocupa o lugar do sexo; do corpo domesticado somos levados ao desejo aceso e pulsante. Há também o sentido do humor ao colocar um olho aberto na embalagem da caixa, um olho consciente de seus arredores, limites e desejos e que transforma em sátira o patriarcado, o consumo, o confinamento e a constrição. Contribuem também para a atmosfera sedutora e erótica o desnudamento implicado na roupa estirada no limite do quadro, a solidão quebrada com os dois cigarros acesos e as linhas ondulantes da fumaça que relaxam a tensão das linhas austeras do espaço.
— Jessica Varrichio, 2022