MASP

Marcelo Cidade

Tempo suspenso de um estado provisório, 2011-15

  • Autor:
    Marcelo Cidade
  • Dados biográficos:
    São Paulo, Brasil, 1979
  • Título:
    Tempo suspenso de um estado provisório
  • Data da obra:
    2011-15
  • Técnica:
    Vidro blindado, concreto e madeira
  • Dimensões:
    182 x 100 x 38 cm
  • Aquisição:
    Doação do artista, 2015
  • Designação:
    Assemblage
  • Número de inventário:
    MASP.01618
  • Créditos da fotografia:
    Eduardo Ortega

TEXTOS



A rua e a cidade são os temas do trabalho de Marcelo Cidade, que utiliza materiais como concreto, metal, tinta spray, vidro e tapume. Suas obras lidam com as relações frequentemente violentas entre o público e o privado, os ricos e os pobres. Em Tempo suspenso de um estado provisório, o cavalete projetado por Lina Bo Bardi (1914‑1992) para a sede do MASP na avenida Paulista, inaugurada em 1968, tem o cristal substituído por um vidro triplo blindado que, por sua vez, foi atingido por dois tiros de revólver. O cavalete de Lina é uma forma radical de expor obras de arte, deixando‑as suspensas, retirando‑as da parede, humanizando‑as e aproximando‑as do público. Medindo 1,82 m, o cavalete de Cidade é mais baixo que o original, porém, ganha a altura de um homem — pode representar, portanto, um sujeito atingido, talvez fatalmente, no peito e na perna. O trabalho de Cidade coloca o cavalete como objeto de reflexão institucional: exposto na pinacoteca do MASP, é uma obra que tem como tema seu contexto; trata da história do espaço onde ele se encontra; é, ao mesmo tempo, homenagem ao projeto de Lina e registro da memória de seu violento afastamento, ou suspensão, entre 1996 e 2015.

— Equipe curatorial MASP, 2015

Fonte: Adriano Pedrosa (org.), MASP de bolso, São Paulo: MASP, 2020.




Por Guilherme Giufrida
Até 2015, poucas eram as obras de arte contemporânea na coleção do MASP. Em novembro de 2015, na volta dos cavaletes de vidro concebidos por Lina Bo Bardi para a pinacoteca do museu, os trabalhos foram dispostos em ordem cronológica, e, ao final da sala, chegávamos em Tempo suspenso de um estado provisório (2011/2015), de Marcelo Cidade, uma doação daquele ano e a única obra feita no século 21 em exposição. De imediato, o impacto era grande: o trabalho desviava-se da concentração em arte figurativa presente na mostra, algo que o museu tem favorecido desde sua fundação em 1947 (e que se mantém até hoje). O trabalho de Cidade se apropria do próprio dispositivo expositivo de Lina — o cavalete de vidro — questionando sua transparência e neutralidade. Ao invés dos dois furos no vidro sempre previstos no cavalete para se pendurar os quadros, Cidade marca com dois tiros de bala a lâmina de vidro blindado (e não temperado, como no cavaletes de Lina), um material utilizado normalmente para proteção — blindagem — de bens, pessoas e propriedades, em carros ou residências. Naquele momento, a obra podia ser lida como uma crítica ao próprio MASP, que havia afastado por quase 20 anos o cavalete de vidro da mostra do acervo, uma forma de expor tão única e experimental, concebida de modo indissociável ao edifício. Esta semana, ao ver as notícias sobre a defesa do governo Bolsonaro de armamento da população, revejo esse trabalho também como uma representação ou emblema tão contundente, explícito e direto de uma das marcas da sociedade brasileira, a violência, e da função de contra-ataque da própria arte, cravando no tempo gestos de resistência.

— Guilherme Giufrida, curador assistente, MASP, 2020

Fonte: Instagram @masp 30.05.2020




Por Guilherme Giufrida
A rua e a cidade são temas do trabalho de Marcelo Cidade, que utiliza materiais como concreto, metal, tinta, spray, vidro e tapume. Suas obras lidam com as relações frequentemente violentas entre o público e o privado, fruto da desigualdade social. Em Tempo suspenso de um estado provisório, do acervo do MASP, o cavalete projetado por Lina Bo Bardi (1914-1992) para a sede do MASP na avenida Paulista, inaugurada em 1968, tem o cristal substituído por um vidro triplo blindado que, por sua vez, foi atingido por dois tiros de revólver, ao invés dos dois furos normalmente previstos para o suporte dos quadros. O cavalete de Bo Bardi é uma forma radical de expor obras de arte, deixando-as suspensas, retirando-as da parede, humanizando-as e aproximando-as do público. Medindo 1,82m, o cavalete recriado por Cidade é bem mais baixo que o original, porém ganha a altura de uma pessoa—podendo representar, portanto, um sujeito atingido, talvez fatalmente, no peito e na perna. O trabalho de Cidade coloca o cavalete como objeto de reflexão institucional: quando exposto na pinacoteca do MASP, é uma obra que tem como tema o seu contexto; trata da história do espaço onde ele se encontra; é, ao mesmo tempo, homenagem ao projeto de Bo Bardi e registro da memória de seu violento afastamento, ou suspensão, entre 1996 e 2015. Ao mesmo tempo, o trabalho pode ser lido como uma síntese tão contundente, explícita e direta de uma das marcas da sociedade brasileira, a violência, e da função de contra-ataque da arte, cravando no tempo gestos de resistência.

— Guilherme Giufrida, curador assistente, MASP, 2021




Por Daniel Jablonski
Tempo suspenso de um estado provisório de Marcelo Cidade mimetiza o icônico "cavalete de cristal" de Lina Bo Bardi e faz do MASP seu objeto. Ao alvejá-lo com tiros de revólver, contudo, o artista revela um paradoxo mais abrangente. Ao protegerem suas coleções dos efeitos do tempo, museus atentam contra as obras, ao desvinculá-las de seus usos e destinações originais. Caso emblemático é o da Mona Lisa. Isolada de tudo e todos por uma imponente vitrine, ela já não é como as outras pinturas da galeria, parece mais uma relíquia. Tal é o preço a se pagar por sua integridade física. Afinal, a obra já foi roubada, em 1911, e só retornou ao museu três anos depois. O ladrão era Vincenzo Peruggia, o vidraceiro responsável por protegê-la. Em 1914, outro grave incidente, desta vez na National Gallery de Londres: uma visitante desferiu golpes de cutelo sobre Vênus ao espelho, de Diego Velázquez. Ativista dos direitos das mulheres, Mary Richardson protestava contra a prisão de uma colega sufragista, movimento pelo voto feminino. Peruggia e Richardson acabaram presos. Ironicamente, seus ataques contribuíram na consolidação simbólica dessas obras. Posto que a preservação é também uma forma de mortificação, seus gestos radicais já foram lidos como tentativas, voluntárias ou não, de salvá-las da clausura das vitrines. Há quem diga que os museus são templos; outros, mausoléus. Todos estão certos. A sua ambiguidade estrutural está contida nas fissuras do cavalete baleado de Cidade, que a uma só vez protege e aliena, mostra e oculta, dá voz e silencia.

— Daniel Jablonski, 2022



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