Por Luciano Migliaccio
Em 1778, Voltaire deixa seu refúgio em Ferney na Suíça e retorna a Paris para ser consagrado na Comédie Française. Nessa ocasião, apesar de sua relutância em ser retratado, deixou-se convencer a posar para Houdon. Este esculpiu o conhecido busto do filósofo, em hábito drapejado à maneira dos antigos romanos, encomendado pela
própria Comédie Française. A fim de poder atender aos muitos pedidos, o escultor fez numerosas réplicas com variações. Além dos bustos em hábito clássico, existem outros de peruca e vestes da época, e ainda outros
sem peruca. Em outra versão, as feições do modelo são apresentadas mais realisticamente, evidenciando as marcas da velhice e a calvície. Voltaire deve ter preferido esta versão, pois um exemplar permaneceu, após sua
morte, na casa de Ferney, passando por herança a uma de suas sobrinhas, Sra. Dompierre d’Hornoy ou Sra. Denis. Nathan Wildenstein, fundador da dinastia de antiquários parisienses, adquiriu esse mármore de um herdeiro
da irmã da Sra. Denis, o Sr. de Vandeul. O filho de Nathan, Georges, também antiquário e conhecido estudioso da arte do século XVIII, vendeu-o, no início deste século, a Eduardo Guinle, cujo filho Guilherme doou-o ao
Masp.
Vale a pena citar as palavras de Rodin, referindo-se a um dos conhecidos bustos de Voltaire em Paris: “Que maravilha! É a personificação da malícia. Os olhos ligeiramente oblíquos parecem espreitar algum adversário.
O nariz pontudo lembra o de uma raposa – como se estivesse farejando, aqui e ali, o abuso e o ridículo; vê-se que freme. E a boca – que obra-prima! Está emoldurada por dois sulcos de ironia, parece resmungar não sei
bem que sarcasmo. Uma velha muito astuta e faladeira – esta é a impressão produzida por esse Voltaire, ao mesmo tempo tão vivo, tão doentio e tão pouco masculino” (
A Arte, p. 97).