Amigo de Pierre Bonnard (1867-1947), o francês Édouard Vuillard (1868-1940) participou, em 1891, da primeira mostra dos artistas Nabis em Paris, grupo que refutava tanto a tradição acadêmica quanto a restituição das sensações atmosféricas, cara aos impressionistas. Influenciados pelo grafismo das gravuras japonesas, os Nabis acentuavam a frontalidade e bidimensionalidade do espaço representado na pintura, optando pelo uso arbitrário e subjetivo da cor e pela estilização e simplificação das formas. Diferentemente dos outros artistas desse grupo, cujas obras muitas vezes se articulavam em torno de temas que remetiam a mitos ou a uma dimensão mística, Vuillard tinha preferência por cenas intimistas de interiores. Também chegou a representar o meio do teatro por sua proximidade com o ator e diretor simbolista Aurélien Lugné-Poe (1869-1940), com quem colaborou como cenógrafo. Yvonne Printemps e Sacha Guitry é um retrato de uma cantora lírica e de um dramaturgo, duas personalidades então conhecidas da cena teatral parisiense. A cantora se encontra no primeiro plano da pintura; o rosto, com proporções atrofiadas, e as roupas, em tons luminosos, destacam-se do que parece ser o encosto de uma poltrona estampada. Ela dirige o olhar a Guitry, quase escondido no canto superior esquerdo da tela, que se apoia nessa estrutura, para inclinar-se em sua direção. O casal é representado de uma maneira inusitada: em um enquadramento fechado, separados por um parapeito, situados em dois registros distintos.
— Equipe curatorial MASP, 2021
Por Olivia Ardui
Sempre achei que o enquadramento fechado, a contorção dos personagens em um espaço quase vedado, evocados por uma pincelada trêmula eram escolhas que comunicavam uma fugacidade e espontaneidade de um instante íntimo. Vemos uma troca de olhares e palavras entre a mulher apoiada em seu assento e o homem inclinado na sua direção, quase escondido atrás de um parapeito. A data da obra coincide com a estreia da comédia O ilusionista, dirigida pelo ator e dramaturgo Sacha Guitry, o que sugere que a pintura do MASP possa representar uma cena da peça, cuja trama se desenrola em um teatro e o público espera o início do espetáculo. A intriga se passa entre a cena e a plateia, e conta com personagens insólitos como o ciclista, a mulher que lê os pensamentos, a cantora e o ilusionista — interpretados respectivamente pela famosa Yvonne Printemps e seu marido, Guitry. Édouard Vuillard, assíduo frequentador dos teatros, traduziu essa predileção em imagens de teatros e seus bastidores; ele era amigo do casal, que representou em outras pinturas. Entre elas, um retrato de Printemps, deitada confortavelmente em um sofá em um interior com paredes recobertas de quadros. A descontração manifesta de sua atitude, o vestido laranja e o detalhe ornamental das extremidades do parapeito lembram a obra do MASP e me fazem pensar que ela também poderia ser um retrato intimista do casal fora do palco. Considerando as suas biografias, talvez essa contiguidade entre o espetáculo e a vida cotidiana, entre Yvonne e Sacha e seus respectivos personagens, não somente era intencional como também uma forma relevante de retratar profissionais da cena, sempre propensos a atuar, até papéis de si mesmos.
— Olivia Ardui, curadora assistente, MASP, 2020
Por Eugênia Gorini Esmeraldo
O quadro Yvonne Printemps e Sacha Guitry apresenta o casal de atores Sacha Guitry e Yvonne Printemps, em cena durante uma de suas apresentações. Trata-se provavelmente da peça O Ilusionista, na qual ambos atuaram juntos por duas ocasiões, em 1917 e em 1922. Camesasca situa o quadro por volta de 1917 com algumas restrições, enfatizando, contudo, que o “corte audacioso e surpreendente cria um equilíbrio original, porém efêmero, entre as duas cabeças separadas pelo parapeito que as emoldura e que funciona como um novo elemento de instabilidade. A tendência para um arabesco ‘abstrato’, acentuado pela estamparia na poltrona de Yvonne e que inclui sua mão, numa cor que evoca os tons delicados usados por Vuillard em seus primeiros anos, também aponta para o ano de 1917”. É uma composição quase abstrata, com faixas de cor nas quais sobressaem o rosto da atriz e seus olhos, com a vestimenta em tons luminosos, em contraste com o restante, e a faixa horizontal e as verticais no biombo que a separa de Sacha Guitry, quase escondido à esquerda, cuja cabeça faz contraponto com a peça arredondada do cenário mais à direita, acima da atriz.
— Eugênia Gorini Esmeraldo, 1998