MASP

Piero di Cosimo

Virgem com o Menino, são João Batista criança e um anjo, 1500-10

  • Autor:
    Piero di Cosimo
  • Dados biográficos:
    Florença, Itália, 1461-Florença, Itália ,1521
  • Título:
    Virgem com o Menino, são João Batista criança e um anjo
  • Data da obra:
    1500-10
  • Técnica:
    Óleo e têmpera sobre madeira
  • Dimensões:
    132,5 x cm
  • Aquisição:
    Doação Companhia Antarctica Paulista S.A., 1951
  • Designação:
    Pintura
  • Número de inventário:
    MASP.00011
  • Créditos da fotografia:
    Polo Museale del Lazio-Archivio e laboratório fotográfico, Roma

TEXTOS



O primeiro nome pelo qual o artista é conhecido remete a seu pai, Lorenzo di Piero d’Antonio, um ferreiro. O outro — Cosimo — é herança de sua filiação ao pintor Cosimo Rosselli (1439-1507), a quem auxiliou em vários trabalhos, como os afrescos da Capela Sistina. Depois dessa colaboração, Piero assumiu um papel central em Florença. O artista absorveu dois grandes modelos na sua produção madura: a riqueza de detalhes e a igualdade no tratamento entre objetos e pessoas das pinturas flamengas, e a expressão da paisagem não como fundo, mas como local do simbólico e do imaginário, como em Leonardo da Vinci (1452-1519). Piero estudava meteorologia, e tinha interesse nas mudanças da luz durante o dia, com as variações do tom azulado da paisagem. As duas características são observáveis em Virgem com o menino, são João Batista criança e um anjo (1500-10). O cenário aberto lembra as panorâmicas flamengas e em muito difere das ruínas clássicas; a iconografia incomum da Virgem de pé é acompanhada de outros elementos, como a lagarta, o corvo e os brotos de planta, símbolos de morte e de ressurreição. A cena é observada com reverência por um jovem anjo que lhe oferece uma flor, símbolo do seu sacrifício. A obra do MASP passou por uma restauração recente, em colaboração com a Soprintendenza di Roma.

— Equipe curatorial MASP




Por Dennis Geronimus
Ainda que o tondo de São Paulo permaneça não documentado, trata-se de uma das duas pinturas remanescentes de Piero Di Cosimo, que se encaixa na descrição de Vasari de uma obra feita para o noviciado de San Marco, mostrando “Nossa Senhora de pé, com o menino em seus braços, em tinta a óleo colorida”. A outra é “Sagrada família com são João Batista criança e dois anjos”, coberto por sfumato, um tondo estilisticamente tardio, agora em São Petersburgo. Contudo, qualquer identificação das duas obras como aquela descrita na biografia de Vasari deve permanecer no âmbito da especulação, dada a ausência de provas mais substanciais. Vasari nem mesmo menciona o formato circular. Se o tondo de Piero e o destino da obra citada por Vasari são o mesmo, a potencial presença da iconografia dominicana certamente torna-se mais relevante. Em vez disso, um protótipo que evoca a curva sinuosa em S da madona de Piero surge num contexto franciscano, sabidamente o contraponto mais dramático à Virgem de Donatello em seu tabernáculo de Cavalcanti Anunciação, de cerca de 1433 a 1435, na nave sul da Santa Cruz. O anjo de Piero, colhendo flores e fitando Cristo com olhos arregalados, pode derivar de uma fonte mais contemporânea: Virgem com o menino (Virgem da rosa), de Giovanni Antonio Boltraffio. É mais do que provável que a mãe e o filho espelhados do pintor milanês, cada um esticando-se para colher uma flor, devam sua aparência a um ou mais desenhos perdidos de Leonardo. A presença do mestre, mais velho, em Florença entre 1500 e 1508 (marcando sua última passagem pela cidade), pode por sua vez explicar a assimilação do gesto da Virgem de Leonardo no anjo ajoelhado de Piero. Além disso, a flor de cabo longo que a Virgem de Boltraffio tenta alcançar — identificada como lírio-do-brejo, pressagiando a inevitável morte de Cristo — é um vago modelo para a estranha amálgama de lírios-do-brejo e margaridas silvestres de Piero. Graças à restauração do painel, em 2014, suas qualidades táteis tornaram-se mais aparentes. A despeito da perda significativa de tinta, o campo visual contém toques suficientemente característicos de Piero para encantar o olhar, seja na asa matizada do anjo, seja à esquerda, nas faixas de tinta branca que simulam delicados reflexos brincando na superfície distante do rio, sobre a qual desliza um barco humilde. O bochechudo são João Batista é o mais bem preservado da comitiva sagrada, com Piero tendo prestado especial atenção aos cachos dourados de seu cabelo e à costura da pele animal que envolve seu corpo. Em um detalhe característico, roupas penduradas na janela de uma casa na outra margem do rio secam, visíveis sobre o halo de são João Batista. Uma celebração da divindade prosaica, a cena de Piero fervilha com a vida animal e vegetal. Na extrema esquerda, o olhar do observador é instantaneamente atraído por uma enorme lagarta. Amarela e manchada, pode ser definida com maior precisão como uma mariposa-elefante (ou com olhar ainda mais acurado, uma traça lepidóptera). Na ponta de um graveto, o espécime foi, quase com certeza, retirado de seu habitat. Em cima de um toco de árvore, típico símbolo da morte, a gorducha criatura é observada com avidez por um pássaro de penas escuras com uma cauda de pontas vermelhas. “Sepultada” em uma crisálida antes de perder seu casulo, a lagarta eventualmente “renasce” como borboleta, espécie identificada desde a antiguidade com a alma humana ou psiquê. Em uma metáfora particularmente sugestiva do Purgatório (10.121–129), Dante censura seus vãos leitores por tentarem “voar sem defesa” como uma “borboleta angelical” quando são meros vermes (ou “insetos imperfeitos”). Como os girinos habitando as águas purificadoras do tondo de Toledo, a lagarta era um conhecido símbolo da metamorfose. No contexto cristológico, sua associação mais específica era com o miraculoso nascimento e renascimento, ou ressurreição, do Redentor. A sugestão de transformação e de vida nova da lagarta não é de maneira alguma complicada pela presença igualmente notória do pássaro finamente pintado (a julgar por sua morfologia e coloração, muito provavelmente um rabirruivo preto ou talvez uma gralha-de-nuca-cinzenta). Assim como a borboleta, pássaros são associados à alma. A lagarta, por sua vez, não se furta a um significado negativo. Seu simbolismo bíblico mais desfavorável identifica-a como um agente destrutivo mais pernicioso, atribuindo assim à união de adversários mortais um grau de ambiguidade. Nesse caso, entretanto, a cor escura do pássaro pode ligá-lo especificamente ao melro, visto como símbolo do mal e do diabo. O naturalismo microcósmico de Piero agrega à variedade da flora da cena. Muitas folhas dos brotos de galhos (renascidos) tremulando do altar arbóreo de Maria identificam a árvore como um carvalho, um atributo da Virgem em si mesmo (“carvalho de piedade, mãe da Salvação”). Duas pequenas castanhas também são visíveis a olho nu, enquanto outras aparecem no esboço através de análise por reflectografia de infravermelho. Um dente-de-leão, significando a Paixão, inclina-se à direita em primeiro plano, ao passo que três cogumelos brotam a uma curta distância, no pé da base rochosa do carvalho. Ambos aparecem também no tondo de Toledo. O jovem são João aborda Maria e Cristo com o perfumado raminho de giesta de presente em sua mão esquerda, enquanto segura um crucifixo de junco na outra mão, este último fazendo uma sombra curva muito delicada em sua coxa.11 Cumprimentando seu primo que se aproxima com um gesto de bênção, o menino Jesus apoia seu corpo franzino nos evangelhos abertos de sua mãe, identificando-o como a Palavra Encarnada. Ainda que em um contexto muito diferente, a aparência física do menino Jesus assemelha-se a de faunos bebês presentes no díptico de Bacanais, de Piero para o Palazzo Vespucci, seguramente datado de cerca de 1500. A despeito do estado comprometido do painel de São Paulo, sua execução técnica aponta igualmente um esforço maduro, cronologicamente próximo de Virgem e o menino com dois anjos músicos, influenciado por Leonardo em Veneza. Como Leonardo, Piero trabalhou algumas áreas da superfície da tinta com a ponta dos dedos, como se vê mais claramente ao redor dos galhos de carvalho e no manto azul drapeado sobre o braço direito da Virgem. Análises técnicas revelaram que Piero fez uso dos dedos e da palma de sua mão para colorir, empastar e modular superfícies de tinta em diversas ocasiões, da Morte de Prócris, e o efeito matizado em seu céu leitoso aos seus tondi de Toledo, em Tulsa, e de Florença.

— Dennis Geronimusm, professor de história da arte, New York University, 2016

Fonte: Adriano Pedrosa e Fernando Oliva (org.), MASP Boletim nº 6, São Paulo: MASP, 2016.





Vasari arma que Piero pintou “no noviciado (do convento) de San Marco um quadro de uma Nossa Senhora de pé com olho ao colo, colorida a óleo”, que, segundo estudiosos (Paatz 1940-1954; Ragghianti 1945; Forlani Tempesti, Capreti 1996, p. 131), poderia ser a obra Virgem com o Menino, São João Batista e um Anjo conservada no século xix na célebre coleção Harrach, de Viena, e hoje no Masp. Como observam Forlani Tempesti e Capreti, a presença de numerosas referências ao Mistério da Encarnação, ardorosamente proclamada pelos Dominicanos, fornecia um argumento suplementar a esta hipótese. É de se notar a predileção de Piero pela forma tondo, que, no diminuto catálogo de suas obras seguras ou atribuídas, comparece nada menos que dezoito vezes. Mas a Virgem do Masp é a única obra conhecida de Piero na qual a Virgem é gurada “de pé com o lho ao colo”, o que torna mais provável que Vasari rera-se ao tondo do Masp. De qualquer modo, chama a atenção o fato de que, ao contrário de seus contemporâneos, Piero não seja tentado a conformar suas composições em tondo à circunferência do suporte. Ao contrário, a composição da Virgem do Masp abre-se em uma forma tentacular, atravessada por uma diagonal maior, apenas contra- balançada pela inclinação da Virgem em sentido contrário. A iconografia da obra é também relativamente rara, com a Virgem de pé, em vez de sentada ou ajoelhada em adoração, e com o Menino Jesus que aponta com o indicador para o alto, aludindo ao sentido divino do texto em que se apóia a outra mão. O tronco e o galho seco e truncado ao lado de outro de que brotam algumas folhas, assim como a taturana à esquerda da composição, são elementos iconográcos inusuais e bizarros bem ao gosto de Piero. Eles simbolizam processos de metamorfose e de renascimento, e podem signicar prenúncios da morte e ressurreição do Cristo. A paisagem, nada característica da Toscana e alheia a toda referência clássica, acusa certa predileção pelas panorâmicas da pintura amenga. Quando foi publicada por Dollmayer, em 1899, a obra encon- trava-se já em mau estado de conservação nos depósitos dos museus de Viena. Liberada de suas repinturas, passou para a coleção Von O­enheim, sendo em seguida posta em depósito temporário no Rijksmuseum de Amsterdã, antes de rumar para São Paulo. Notando no rosto da Virgem uma “espécie de purismo ‘alla nazzarena’”, Bacci (1976, p. 94) data a obra na vizinhança da Virgem Cini, que foi datada por Zeri (1959) nos anos de 1504-1507. Forlani Tempesti e Capreti apontam o mau estado da pintura e datam-na de “antes de 1515”.

— Autoria desconhecida, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).



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